terça-feira, 26 de novembro de 2019

Os coveiros da Saúde


António Garcia Pereira
Em 18 de Maio de 2018, no Congresso Fundação Saúde SNS, realizado em Coimbra, António Arnaut, figura incontornável da Democracia portuguesa e “pai” do Serviço Nacional da Saúde, proferiu as seguintes palavras:
Como todos sabemos, os meus amigos como profissionais e eu como utente, o nosso SNS atravessa um tempo de grandes dificuldades que, se não forem atalhadas rapidamente, podem levar ao colapso. E tudo em consequência de anos sucessivos de subfinanciamento e de uma política privatizadora e predadora resultante da Lei nº 48/90, ainda em vigor, que substituiu a lei fundadora de 1979. A destruição das carreiras depois de tantos anos de luta, iniciada em 1961, foi o rombo mais profundo causado ao SNS.
Sem carreiras, que pressupõem a entrada por concurso, a formação permanente, a progressão por mérito e um vencimento adequado, que há muito defendo seja igual ao dos juízes, não será possível ter um Serviço Nacional de Saúde digno desse nome. A expansão do sector privado, verificada nos últimos anos, deveu-se a esta desestruturação e ao facto de a Lei nº 48/90 considerar o SNS como um qualquer sistema presente no “mercado” em livre concorrência com o sector mercantil, que visou a destruição do Estado Social e reduziu o SNS a um serviço residual para os pobres. É preciso reconduzir o SNS à sua matriz constitucional e humanista.
Na verdade, com a prossecução, pelos governos de António Costa, da mesma política que António Arnaut criticava, a situação presente do Serviço Nacional de Saúde, não obstante os patéticos desmentidos da Ministra da Saúde, é de um verdadeiro caos que só ainda não chegou – embora para lá caminhe, e a passos largos – ao desastre completo em virtude da extrema dedicação dos profissionais, médicos, enfermeiros, auxiliares e técnicos que ainda trabalham no nosso sistema público de Saúde.
A enorme gravidade do actual estado do SNS é todos os dias confirmada por novos e cada vez mais inaceitáveis episódios. Como confirmou uma recente e excelente reportagem das jornalistas Vera Lúcia Arreigoso e Raquel Albuquerque, publicada no “Expresso”, metade dos médicos têm actualmente mais de 50 anos e, consequentemente, têm o direito de não fazer urgências. Há cada vez mais vagas (actualmente cerca de 30%) por preencher por haver cada vez menos profissionais dispostos a suportar as péssimas condições de trabalho (desde o número de horas até à falta quer de equipamento adequado, quer de outros profissionais, designadamente enfermeiros) em inúmeros Centros de Saúde e hospitais.
(...)
Para onde quer que nos viremos, constatamos uma crescente falta de profissionais, como médicos e enfermeiros, e, muito em particular, de especialistas. Verificamos que aqueles que ficam, ganhando muito menos que no privado e trabalhando horas a mais e em condições crescentemente degradadas, se sentem caca vez mais exaustos e desmotivados. São verdadeiramente estarrecedores os resultados do estudoBurnout na Classe Médica em Portugal: Perspetivas Psicológicas e Psicossociológicas”,realizado em 2017 pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, sob a coordenação do Professor Jorge Vala: 66% dos médicos da amostra inquirida apresentaram um nível elevado de “Exaustão Emocional”, 39% um elevado nível de “Despersonalização” e 30% um elevado nível de “Diminuição da Realização Profissional”. Isto, quando um estudo da Universidade do Minho, em 2016, já revelava que 1/5 dos enfermeiros inquiridos sofria de exaustão, decorrente, designadamente, de milhares e milhares de horas extra ilegais com capitações de 40 doentes por um único enfermeiro.
(...)
E, assim, enquanto na própria França do ultra-liberal Macron, acaba de ser anunciado um denominado Plano de Urgência para o Hospital Público que passa pela criação de carreiras mais atractivas, pela dignificação das remunerações, pela revalorização profissional e social dos médicos e demais profissionais, por um significativo e imediato investimento nos serviços públicos de saúde e pela assunção e resolução de grande parte das dívidas dos hospitais públicos, António Costa e Marta Temido, sempre com os habituais sorrisos “para a fotografia” e as frases feitas da propaganda oficial, fingem tomar medidas para tudo afinal ficar na mesma.

Quem assim actua, ainda por cima em cargos públicos, não pode deixar de ser responsabilizado. Até porque, como todos sabemos, quando são os coveiros a tratar, é a Saúde que agoniza!…
Artigo completo em noticiasonline

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