António Garcia Pereira
Em 18
de Maio de 2018, no Congresso Fundação Saúde SNS, realizado em
Coimbra, António Arnaut, figura incontornável da Democracia
portuguesa e “pai” do Serviço Nacional da Saúde, proferiu as
seguintes palavras:
Como
todos sabemos, os meus amigos como profissionais e eu como utente, o
nosso SNS atravessa um tempo de grandes dificuldades que, se não
forem atalhadas rapidamente, podem levar ao colapso. E tudo em
consequência de anos sucessivos de subfinanciamento e de uma
política privatizadora e predadora resultante da Lei nº 48/90,
ainda em vigor, que substituiu a lei fundadora de 1979. A destruição
das carreiras depois de tantos anos de luta, iniciada em 1961, foi o
rombo mais profundo causado ao SNS.
Sem
carreiras, que pressupõem a entrada por concurso, a formação
permanente, a progressão por mérito e um vencimento adequado, que
há muito defendo seja igual ao dos juízes, não será possível ter
um Serviço Nacional de Saúde digno desse nome. A expansão do
sector privado, verificada nos últimos anos, deveu-se a esta
desestruturação e ao facto de a Lei nº 48/90 considerar o SNS como
um qualquer sistema presente no “mercado” em livre concorrência
com o sector mercantil, que visou a destruição do Estado Social e
reduziu o SNS a um serviço residual para os pobres. É preciso
reconduzir o SNS à sua matriz constitucional e humanista.
Na
verdade, com a prossecução, pelos governos de António Costa, da
mesma política que António Arnaut criticava, a situação presente
do Serviço Nacional de Saúde, não obstante os patéticos
desmentidos da Ministra da Saúde, é de um verdadeiro caos que só
ainda não chegou – embora para lá caminhe, e a passos largos –
ao desastre completo em virtude da extrema dedicação dos
profissionais, médicos, enfermeiros, auxiliares e técnicos que
ainda trabalham no nosso sistema público de Saúde.
A
enorme gravidade do actual estado do SNS é todos os dias confirmada
por novos e cada vez mais inaceitáveis episódios. Como confirmou
uma recente e excelente reportagem das jornalistas Vera Lúcia
Arreigoso e Raquel Albuquerque, publicada no “Expresso”, metade
dos médicos têm actualmente mais de 50 anos e, consequentemente,
têm o direito de não fazer urgências. Há cada vez mais vagas
(actualmente cerca de 30%) por preencher por haver cada vez menos
profissionais dispostos a suportar as péssimas condições de
trabalho (desde o número de horas até à falta quer de equipamento
adequado, quer de outros profissionais, designadamente enfermeiros)
em inúmeros Centros de Saúde e hospitais.
(...)
Para
onde quer que nos viremos, constatamos uma crescente falta de
profissionais, como médicos e enfermeiros, e, muito em particular,
de especialistas. Verificamos que aqueles que ficam, ganhando muito
menos que no privado e trabalhando horas a mais e em condições
crescentemente degradadas, se sentem caca vez mais exaustos e
desmotivados. São verdadeiramente estarrecedores os resultados do
estudo“Burnout
na Classe Médica em Portugal: Perspetivas Psicológicas e
Psicossociológicas”,realizado em 2017 pelo Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa, sob a coordenação do Professor
Jorge Vala: 66% dos médicos da amostra inquirida apresentaram um
nível elevado de “Exaustão Emocional”, 39% um elevado nível de
“Despersonalização” e 30% um elevado nível de “Diminuição
da Realização Profissional”. Isto, quando um estudo da
Universidade do Minho, em 2016, já revelava que 1/5 dos enfermeiros
inquiridos sofria de exaustão, decorrente, designadamente, de
milhares e milhares de horas extra ilegais com capitações de 40
doentes por um único enfermeiro.
(...)
E,
assim, enquanto na própria França do ultra-liberal Macron, acaba de
ser anunciado um denominado Plano de Urgência para o Hospital
Público que passa pela criação de carreiras mais atractivas, pela
dignificação das remunerações, pela revalorização profissional
e social dos médicos e demais profissionais, por um significativo e
imediato investimento nos serviços públicos de saúde e pela
assunção e resolução de grande parte das dívidas dos hospitais
públicos, António Costa e Marta Temido, sempre com os habituais
sorrisos “para a fotografia” e as frases feitas da propaganda
oficial, fingem tomar medidas para tudo afinal ficar na mesma.
Quem
assim actua, ainda por cima em cargos públicos, não pode deixar de
ser responsabilizado. Até porque, como todos sabemos, quando são os
coveiros a tratar, é a Saúde que agoniza!…
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