segunda-feira, 21 de outubro de 2019

A Privatização Crescente (e disfarçada) do SNS pelo governo do PS


Eugénio Rosa
OS 848 MILHÕES € DE PREJUÍZOS DO SNS EM 2018 DIVULGADOS PELAS TELEVISÕES E JORNAIS
entre 2017 e 2018, os gastos do SNS aumentaram 5,4% mas o governo diminuiu as transferências do Orçamento do Estado para o SNS em 0,6%. Menos dinheiro para a saúde No dia 11/10/2019, televisões e jornais noticiaram com grande aparato e em grandes “caixas” que o SNS tinha apresentado, em 2018, prejuízos no montante de 848,2 milhões € (em 2017, -345,8 M€). A forma como a noticia foi dada, sem qualquer explicação, para chocar e aumentar audiências, criou naturalmente na opinião publica uma ideia errada como tais prejuízos foram gerados. Neste estudo, com base no Relatório do Ministério da Saúde, vamos explicar a razão desses prejuízos elevados.
ENTRE 2017 E 2018, OS GASTOS DO SNS AUMENTARAM EM 521 MILHÕES € (+5,4%), MAS AS TRANSFERÊNCIAS DO ORÇAMENTO DO ESTADO PARA O SNS DIMINUÍRAM EM 51 MILHÕES €
Quem se dê ao trabalho de analisar o “Relatório e Contas do Ministério da Saúde e do Serviço Nacional de Saúde de 2018”, divulgado por aquele Ministério, e não se limite a ler os títulos dos jornais ou os rodapés e as falas das televisões, concluirá que, entre 2107 e 2018, os gastos do SNS com “mercadorias e matérias consumidas” (ex.: medicamentos), com “aquisição de serviços externos e com “Pessoal” aumentaram de 9.639,2 milhões para 10.159,6 milhões € (+520,7 milhões €), enquanto as transferências do Orçamento do Estado para o SNS diminuíram de 8.866,1 milhões para 8.815,1 milhões € (-51 milhões €). Se incluirmos as taxas moderadoras e a prestação de serviços pelo SNS o aumento de receitas, entre 2017 e 2018, é apenas 0,87%.
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é financiado fundamentalmente com impostos pagos por todos os portugueses, daí a razão de ser tendencialmente gratuito. Mas para que isso aconteça, é necessário que os impostos que constituem receita do Orçamente do Estado, uma parte seja transferida para o SNS. E como os gastos deste estão aumentar devido ao envelhecimento da população, à procura crescente de cuidados de saúde por parte desta e ao aumento de preços dos bens (ex. medicamentos) e dos serviços que adquire, e das remunerações dos profissionais de saúde (efeito das progressões nas carreiras e de novas contratações), é evidente para todos que era necessário aumentar as transferências do Orçamento do Estado para o SNS. Mas o que aconteceu entre 2017 e 2018 foi precisamente o contrário para reduzir o défice orçamental. Os gastos com a compra matérias e consumíveis e com aquisições de serviços a privados e com pessoal aumentaram 5,4%, enquanto as transferências do OE para o SNS diminuíram em 0,6%.
Em percentagem da despesa do Estado (Administração Central) as transferências para o SNS representaram, em 2017, apenas 10,6% da despesa total do Estado e, em 2018, essa percentagem, que já era insuficiente, ainda desceu para somente 10 %. Em percentagem do PIB, entre 2017 e 2018, diminuiu de 4,5% do PIB, um valor já insuficiente, para apenas 4,3% do PIB. Depois para colmatar o “buraco” assim criado, o governo transferiu 500 milhões € para aumentos de capital dos hospitais (pág. 63 do Anexo do Relatório), que não deviam ser utilizados para pagar despesas correntes, mas que naturalmente foram. Através de um processo de engenharia financeira, evita-se Capitais Próprios negativos e o aumento do défice orçamental.
Se se tivesse introduzido na nova Lei de Bases da Saúde, como na altura defendemos uma “norma travão” (que nenhum partido quis introduzir na nova lei bases da saúde- Lei 95/2019), que impedisse que as transferências do Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde fossem inferiores a 5% do valor do PIB nominal de cada ano, em 2017 o SNS teria recebido do Orçamento do Estado mais 931,2 milhões € e, em 2018, mais 1.379,7 milhões €, o que acabaria com o subfinanciamento cronico a que o SNS tem sido sujeito a longo dos sucessivos governos para reduzir o défice orçamental, e que está a destruí-lo e a causar a degradação dos serviços de saúde públicos à população sentida por esta.
A PRIVATIZAÇÃO CRESCENTE DO SNS DEVIDO AO AUMENTO DE AQUISIÇÃO DE BENS E SERVIÇOS AOS PRIVADOS: a privatização crescente do SNS através do outsourcing
Muitos apenas se preocupam com a privatização do SNS através das Parcerias Públicas Privadas, e pensam que eliminado estas acaba-se com a privatização crescente do SNS e com a destruição a que tem sido sujeito. Puro engano. Se se dessem ao trabalho de analisar com atenção as contas do SNS rapidamente chegariam à conclusão que a despesa com as Parcerias Públicas Privadas representa apenas uma pequena percentagem da despesa do SNS utilizada para promover o negócio privado da saúde em Portugal.
Segundo o mesmo Relatório do Ministério da Saúde, entre 2017 e 2018, a despesa com “Fornecimentos e Serviços Externos” de privados ao SNS aumentou de 3.806,1 milhões € para 4.036,4 milhões € (+6%). Deste total apenas 422 milhões € em 2018 (10,5%) foram com as Parceria Público Privadas. Para além dos “Fornecimentos de Bens e Serviços” adquiridos a privadas, o Serviços Nacional de Saúde, segundo o mesmo Relatório do Ministério de Saúde, ainda adquiriu ao sector privado “mercadorias e matérias” no montante de 1.732 milhões € em 2017 e 1.815,5 milhões € em 2018. E tudo isto tem facilitado e mesmo sido promovido pelo subfinanciamento crónico do SNS que o destrói mas que alimenta o sector privado de saúde.
O ENDIVIDAMENTO CRESCENTE DO SNS AOS PRIVADOS PARA PODER FUNCIONAR, A DIFICULDADE EM CONTRATAR TRABALHADORES E A IMPOSIÇÃO PELO MINISTÉRIO DAS FINANÇAS À ADSE DE AQUISIÇÃO DE “PACOTES DE HORAS” PAGANDO 4,77€/HORA
Segundo o mesmo Relatório divulgado pelo Ministério da Saúde, no fim do ano de 2018, o SNS devia a fornecedores privados 1.931,3 milhões € a que se adicionava mais 53,5 milhões € a fornecedores de investimentos. Face à insuficiência de transferências do Orçamento do Estado para cobrir os seus gastos correntes, o SNS continua a ser obrigado a acumular enormes dividas a fornecedores, sujeitando-se às condições impostas por eles, nomeadamente preços e qualidade dos produtos fornecidos (como diz o ditado “não há almoços grátis”) contribuindo assim para falta de responsabilização a nível de gestão, para o incumprimento a nível de objectivos, e para a promiscuidade em relação aos profissionais de saúde que simultaneamente trabalham no SNS e nos grandes grupos privados de saúde, muitas vezes com escassa produtividade no SNS devido à falta de condições e às baixas remunerações que auferem, o que impede que se lhes exija a exclusividade. E o SNS e o sector privado têm lógicas de funcionamento e objectivos muito diferentes (o primeiro, ganhos de saúde; o 2º o lucro) e ninguém pode servir bem os dois tão diferentes.
(...)
Segundo os dados do Ministério das Finanças (DGAEP) do quadro 1, durante o governo PS/Costa o número de profissionais de saúde aumentou em 9.488, nomeadamente enfermeiros (+5.246),. No entanto, como refere o semanário Expresso, citado pela ZAP- online, em 29 de Junho de 2019, “70% dos especialistas não estão em dedicação exclusiva. No caso os médicos hospitalares, a presença intermitente é ainda maior e chega aos 80%. A todos estes profissionais sem exclusividade é permitido trabalhar em simultâneo no privado e trocar as horas extras nas Urgências das suas unidades por outras que pagam mais à tarefa, incluindo no SNS. O objectivo de dar resposta aos portugueses continua a falhar. Há quatro hospitais da área de Lisboa, incluindo a Maternidade Alfredo da Costa (MAC), sem anestesistas, obstetras ou neonatologistas para o atendimento urgente em Julho e Agosto. Para ter médicos suficientes, as contratações têm-se sucedido, e desde 2015 aumentou 10% o número de especialistas e 24% os internos, mas nenhum dos novos contratos tem vínculo pleno ao SNS.
Segundo a Administração Central do Sistema de Saúde, apenas 5587 especialistas estão em exclusivo, isto é, 30% do total de médicos no SNS em 2018 (18.835). Nos hospitais são somente 2504, 20% deste sector (12.448). Mesmo que os médicos queiram trabalhar só no Estado não podem fazê-lo. A figura laboral da dedicação exclusiva foi retirada da Saúde em 2009 porque era cara”. No Relatório Social do Ministério da Saúde e do SNS de 2018, no quadro 6 da pág. 56, refere-se que 9.191 médicos têm contratos a prazo ou a termo certo. É esta a realidade no SNS. Na ADSE, para colmatar a falta de trabalhadores o Ministério das Finanças impõe que se faça contratos com empresas de trabalho temporário pagando 4,77€/hora, uma vergonha que deixou o concurso deserto e está a contribuir para agravar a prestação de serviços aos beneficiários.
Por outras palavras, a promiscuidade público-privado dos profissionais de saúde assim como a precariedade impera no Serviço Nacional de Saúde, não só constitui uma importante forma de financiamento dos grandes grupos privados de saúde que assim têm, ao seu dispor, profissionais altamente qualificados baratos pois pagam à peça ou à percentagem, não tendo de suportar os outros custos, também contribui para destruir o SNS (descapitalizando-o) cuja situação difícil é prova disso.
A nova lei de bases da saúde aprovada em 2019 – Lei 95/2019 – não resolve nem acaba com esta promiscuidade pois, no nº 3 da sua Base 29, apenas dispõe o seguinte: “O Estado deve promover uma política de recursos humanos que valorize a dedicação plena como regime de trabalho dos profissionais de saúde do SNS, podendo, para isso, estabelecer incentivos”. Praticamente não acrescenta nada ao que existia na lei anterior (tudo vai depender do arbítrio do governo) que contribuiu para conduziu o SNS à situação difícil em que se encontra actualmente.

A Espanha nem una nem grande nem livre


Trabalhadores do l’Hospital de Sant Pau, Barcelona, manifestando-se contra a visita do primeiro-ministro Pedro Sánchez e defendendo a libertação dos dirigentes catalães presos

José Pacheco Pereira

«La libertad, Sancho, es uno de los más preciosos dones que a los hombres dieron los cielos; con ella no pueden igualarse los tesoros que encierran la tierra y el mar: por la libertad, así como por la honra, se puede y debe aventurar la vida. (Cervantes, Don Quijote) 

Este é um artigo indignado e como eu sou de raras indignações podem parar de o ler aqui. Nestas alturas estou-me positivamente “marimbando” – sem desculpa pelo plebeísmo porque preciso da sua força – para as nossas tricas nacionais, e para o gigantesco espectáculo de hipocrisia que é a União Europeia, capaz de se mobilizar pelas mais minoritárias causas da moda, mas indiferente ao que se passa na Catalunha.

Como cá. São todos muito liberais, todos muito preocupados pelas liberdades (económicas), todos muito tradicionais, alguns muito revoltados com a repressão (na Venezuela ou em Cuba), e chega-se à Catalunha e ficam todos muito indignados com a “violência” na rua, todos muito legalistas, todos indiferentes a um processo político persecutório, todos olhando para o lado para não verem as multidões na rua, e acima de tudo para não verem as faces dessa multidão. Para não verem que eles são iguais a nós, velhos, mulheres, donas de casa, trabalhadores, jovens casais, moradores, professores, funcionários, gente LGBT, gente conservadora, gente cujos pais e avós conheceram a guerra civil e guardam a memória dos fuzilamentos de dirigentes catalães ou dos movimentos estudantis e operários que confrontaram o franquismo numa Catalunha mais irridenta do que muitas partes de Espanha. Eles olham para a rua e vêem os capuzes, e como o El País e a imprensa portuguesa que o segue, estão muito preocupados com a Constituição e com a lei, com revoltas, golpes de estado, revoluções, sedições, separatismo, independentismo. O que não vêem ou admitem é que possa haver uma vontade, uma determinação, uma razão pela independência da maioria dos catalães.

Foto O problema é que na rua catalã não estão fascistas de pata ao alto, nem gente a marchar detrás de variantes da suástica, ou de runas nórdicas, nem a gritar contra os refugiados, nem a atacar mesquitas e sinagogas – está gente como nós. Mas o mesmo não se pode dizer das setas da Falange, nem da bandeira espanhola transformada no estandarte da “España, una, grande y libre” do franquismo, que recrudesceram nos dias de hoje em resposta ao independentismo catalão, numa causa que já mereceu em Espanha muitos milhares de mortos.

Na verdade, os nossos anti-catalães, parte do PS e quase toda a direita, acabam por ser muito amigos de uma das mais sinistras tradições do país ao nosso lado, o espanholismo de Castela, historicamente muito agressivo, tradicional inimigo de Portugal, a pátria que supostamente lhes enche o peito antes de chegarem a Bruxelas, onde desincha. O espanholismo que encontrou os seus melhores porta-vozes em partidos de extrema-direita como o Vox, que Nuno Melo branqueou, ou num PP minado pela corrupção, ou na sua versão modernizada o Ciudadanos, o partido que o CDS gostaria de ser quando for grande. E em Espanha nesse partido que nem é socialista, nem operário, mas que agora é muito espanhol e que aceitou ser chantageado pelos herdeiros de Francisco Franco e que não teve a coragem de evitar o julgamento político dos independentistas.

Podem não ser favoráveis à independência catalã, não podem ser indiferentes aos presos políticos e às suas sentenças punitivas. E só por ironia é que se vê ficarem muito ofendidos com a comparação entre Hong Kong e Barcelona, eles que não mexeram uma palha sobre Hong Kong porque o seu anticomunismo pára na EDP e na REN, e não têm muita autoridade para fazer essa distinção. O mesmo com a “progressiva” e de “referência” comunicação social espanhola cuja agressividade anti-catalã é repulsiva. E o mesmo para a portuguesa.

E repetem-se argumentos absurdos. O argumento contra o referendo então é o de máxima hipocrisia. O referendo não valeu porque correu sem qualquer controlo. Não é inteiramente verdade, mas é natural que não tenha ocorrido em condições ideais com a polícia a roubar as urnas, a ocupar lugares de votação e a bater nos que queriam votar. Mas, se o problema foram as condições do referendo, então que se faça outro em condições de liberdade e paz civil. Resposta: não, não, nunca, jamais em tempo algum.

Eu sou um grande admirador de Espanha, da sua cultura, das suas gentes. Li o Quixote mais de que uma vez e não é por falta de vontade que não o leio outra vez. Tudo o que de grande existe na história da literatura e da arte está nesse livro, de Ulisses a Leopold Bloom. O país que “deu” este livro merece tudo, menos muita da sua política. Não é um país de história fácil, como se viu na matança da guerra civil, de que o actual conflito é demasiado herdeiro. Em política sempre foi dado a pouca tolerância e a muito sangue, mas os seus grandes homens e mulheres nos últimos 200 anos foram-no exactamente por contrariarem isso. Unamuno é um exemplo.

É também por admiração e estima por Espanha que escrevo isto.»

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

A vitória do alívio


Henricartoon


1. A maior derrota das direitas portuguesas desde 1975. Nunca os dois partidos clássicos da direita (PSD e CDS) tiveram tão poucos votos: 1638 mil (32,2%), menos 440 mil que em 2015, quase menos 1,2 milhões que na vitória anti-Sócrates de 2011! Pela primeira vez desde 1975, literalmente, eles não juntam ⅓ dos votos. É verdade que as pequenas (extremas-)direitas cresceram como nunca: 227 mil votos (4,5%, ¼ dos quais do Chega), mas não é que eles já cá não estivessem; em 2015 já tinham 1,9%, e 3,2% em 2011. Desde o segundo referendo sobre a IVG (2007) que à direita começaram a organizar-se autonomamente ultras de várias espécies, desde o PNR aos antiabortistas; só agora conseguiram, com outras siglas, representação parlamentar, mas há muito que vêm marinando. Todas somadas, contudo, do PSD ao Chega, nunca foram tão poucos, e nunca se apresentaram tão fragmentados. Falta perceber o mais importante: como vão PSD e CDS comportar-se perante estes bolsonaristas da “bala”, do medo e do racismo, que prometem destruí-los nos próximos quatro anos. Se tomarmos por referência o que já disseram há um ano sobre Bolsonaro, e se se comportarem como os seus congéneres italianos, escandinavos, austríacos, americanos, brasileiros…), conviverão bem com a extrema-direita, descafeinarão a coisa (“são portugueses como quaisquer outros”), e farão este discurso que já se ouve da “grande casa das direitas” que há que (re)construir. Em suma, chegará a hora dos Nunos Melos e dos críticos de Rio, que, como fez Ventura, querem importar a fórmula da radicalização da direita: ultraliberalismo económico, racismo contra os “inassimiláveis”, política do medo, policialização da realidade.

2. A vitória do PS ou do alívio? Costa conseguiu para o PS uma das suas piores vitórias de sempre. Muito abaixo de Guterres e Sócrates, mas até mesmo de Ferro Rodrigues, que foi derrotado em 2002 por Durão Barroso com bem mais votos que Costa agora. O PS ganhou 120 mil votos mas tem hoje menos 200 mil quando Sócrates perdeu a maioria absoluta, em 2009, e menos 100 mil que nas autárquicas de 2017. Há dez anos que o PS não consegue atrair o milhão de votantes que apoiam partidos à sua esquerda (BE, CDU e outros), ainda que tenha conseguido convencer uma parte dos 110 mil votantes perdidos pela CDU e dos 60 mil pelo BE de que era seu o mérito da reposição de salários e de reformas ou o aumento do salário mínimo, que Costa e Centeno não tinham querido em 2015 mas que lhes garantiram, afinal, este pequeno sucesso. No essencial, na dúvida sobre se a austeridade acabou ou não (e não acabou), uma grande parte dos portugueses sente, em todo o caso, um grande alívio comparado com a angústia e a ofensa diária que sentiu no último ano Sócrates e nos anos de Passos e troika. Facilita tudo isto que meio milhão tivesse emigrado já até 2015, e que até 2018 mais 300 mil pessoas tenham arranjado um emprego, mas os salários continuam esmagados e, apesar da redução da pobreza, a concentração de riqueza acentuou-se. Estes trinta anos de precarização dos contratos, privatização do público e financeirização da economia têm sido uma longa lição de resistência aprendida à força; sempre que se bloqueia o avanço da indignidade, é natural que quem resiste se sinta aliviado. Poucas são as vitórias que pode cantar, mas reconhece o alívio – e este premiou (limitadamente) o PS.

3. A crise do sistema de representação não foi corrigida. E a medida dela nem está no nível da abstenção oficialmente registada, artificialmente inflacionada pelo milhão de eleitores, pelo menos, que não vive em Portugal mas está cá recenseado. Isto, contudo, não invalida a grande desafeição que demasiados cidadãos sentem pelo sistema de representação. Esta é também uma consequência destes últimos 30 anos: por um lado, os mais precários (jovens, pobres, com exceção de grande parte dos idosos) são ensinados a sentir que é inútil participar (a diferença de participação entre freguesias pobres e ricas nas mesmas cidades pode atingir 15%); por outro, entre trabalhadores acossados, advertidos para não se sindicalizarem, as derrotas face ao poder patronal e ao do Estado dissuadem cada vez mais gente de votar, em vez de o fazer em protesto. A nossa, como a grande maioria das democracias formais, está a tornar-se uma democracia da abstenção deliberadamente promovida pelas políticas económicas. Neste contexto, todos os apelos cívicos de quem assim governa parecem hipocrisia da mais acabada.»

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Os portugueses, o SNS e as mentiras do Costa em tempo de eleições


in Henricartoon

São os 40 anos do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o Primeiro Costa jura que defende o que o seu partido criou, mais por força das circunstancias do que por inscrição no seu ADN programático, a ministra da Saúde desunha-se em plantar “oliveiras do SNS”, ao mesmo tempo que encabeça a lista pelo distrito de Coimbra, o Rio dos Pópós acusa o mais directo concorrente de “esconder as contas do SNS”, PCP e BE ufanam-se da hipotética paternidade da nova Lei de Bases da Saúde, assim como de outras “benesses” para os trabalhadores, mas não da aprovação de 4 Orçamentos de Estado e do agravamento da legislação do Trabalho.

Contudo, a realidade objectiva vai muito para além das verdades virtuais de cada um dos partidos na luta frenética pelo acesso ao pote. Recentemente, relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que Portugal é um dos três países europeus em que a despesa em saúde pública diminuiu entre 2000 e 2017, não deixando de assinalar que as desigualdades em saúde se mantiveram ou agravaram na Europa. As cativações na Saúde são uma realidade iniludível que Costa e o seu Centeno (parece que Rio tem outro) não conseguem esconder, à semelhança da dívida pública cujo montante não tem cessado de crescer, apesar de diminuir em termos percentuais do PIB, tal como os juros que nunca são referidos.

A mesma OMS não se escusa a concluir que a na Europa (o tão incensado farol da civilização e dos direitos humanos) os progressos em matéria de equidade em saúde estão “em ponto morto”, ou seja, nos 53 países da região europeia da organização as desigualdades em saúde permanecem as mesmas ou até se agravaram. Afirma que o leque de políticas que aponta para estimulo do crescimento económico e desenvolvimento sustentável fosse aplicado haveria uma redução de 50% das desigualdades em saúde e representaria um aumento de 0,3% a 4,3% do PIB – mantendo o modelo económico capitalista, saliente-se. Só que em tempo de crise profunda e prolongada do capitalismo, em particular na União Europeia, aquelas medidas acabam por ser inexequíveis.

Há menos dinheiro para a Saúde por diversas razões: por imposição de Bruxelas, há que respeitar as disposições do Pacto Orçamental; por opção abertamente política de favorecer os negócios dos privados degradando os serviços públicos, degradação essa que servirá de pretexto justificativo. Assim se explica que o número de cirurgias tenha aumentado em 2018, atingindo o valor mais alto de sempre, com quase 595.000 doentes operados no SNS, mas um crescimento que se deveu sobretudo ao recurso aos privados e sector social, portanto, na realidade fora do referido SNS – Relatório Anual de Acesso aos Cuidados de Saúde nos Estabelecimentos do SNS e Entidades Convencionadas relativo a 2018.

Ora, a actividade cirúrgica que é da responsabilidade do SNS reparte-se, pelos vistos, entre hospitais do SNS, que incluem Entidades Públicas Empresarias, Sector Público Administrativo e Parcerias Público-Privadas (responsáveis por 89,0% da produção total), e os hospitais protocolados (5,8%) e hospitais convencionados (5,2%), como todos eles fossem já Serviço Nacional de Saúde. Para o relatório e os órgãos de comunicação social do regime parece que sim. Será importante referir que a Lei de Bases da Saúde abre a porta a toda espécie de parcerias e de acordos com os privados, daí não ter havido qualquer alarido por parte dos negociantes da saúde e do PR ter promulgado a lei sem grandes objecções.

(...)

A Saúde é para a maioria dos portugueses uma prioridade, mas já o não é para o governo, e os números estão aí presentes, bem como tudo o que lhe está relacionado, como ficou demonstrado pelo o que atrás foi dito. Então, esperemos, sentados, pela reivindicação da paternidade por parte do BE e do PCP destes incontornáveis “benefícios”, que são de inteira responsabilidade do governo geringonça, mais preocupado com o défice tendencialmente zero das contas públicas e do pagamento de uma dívida pública, que não pára de crescer (o governo conta que suba só 3,475 mil milhões de euros este ano!). Pagamento que, para o governo e Bruxelas, deve ser assegurado pelo povo português para que este ou outro governo qualquer que venha seguir, beneficiando do crédito, continue na política de endividamento sem fim do qual o povo pouco ou nada beneficia.

não pagamento de um dívida soberana odiosa é um imperativo nacional, sendo a sua suspensão uma medida imediata a ser tomada no dia 7 de Outubro até que se realize uma auditoria pública e independente para se determinar o grau de ilegitimidade e de ilegalidade. O não respeito pelas regras do Pacto Orçamental é outra urgência a fim de se libertar investimento para a Saúde, Educação, Habitação para o povo e Segurança Social. O bem-estar do povo e dos trabalhadores é a prioridade máxima . E esta deve ser o elemento de aferição dos partidos que se apresentam às eleições no próximo dia 6 de Outubro. Se para tal for necessário, como será com certeza, sair da União Europeia (concomitantemente do euro) que se saia, e se o diga abertamente.

Texto completo aqui