Eugénio Rosa
OS 848
MILHÕES € DE PREJUÍZOS DO SNS EM 2018 DIVULGADOS PELAS TELEVISÕES
E JORNAIS
– entre
2017 e 2018, os gastos do SNS aumentaram 5,4% mas o governo diminuiu
as transferências do Orçamento do Estado para o SNS em 0,6%. Menos
dinheiro para a saúde No dia 11/10/2019, televisões e jornais
noticiaram com grande aparato e em grandes “caixas” que o SNS
tinha apresentado, em 2018, prejuízos no montante de 848,2 milhões
€ (em 2017, -345,8 M€). A forma como a noticia foi dada, sem
qualquer explicação, para chocar e aumentar audiências, criou
naturalmente na opinião publica uma ideia errada como tais prejuízos
foram gerados. Neste estudo, com base no Relatório do Ministério da
Saúde, vamos explicar a razão desses prejuízos elevados.
ENTRE
2017 E 2018, OS GASTOS DO SNS AUMENTARAM EM 521 MILHÕES € (+5,4%),
MAS AS TRANSFERÊNCIAS DO ORÇAMENTO DO ESTADO PARA O SNS DIMINUÍRAM EM 51 MILHÕES €
Quem se
dê ao trabalho de analisar o “Relatório e Contas do Ministério
da Saúde e do Serviço Nacional de Saúde de 2018”, divulgado por
aquele Ministério, e não se limite a ler os títulos dos jornais ou
os rodapés e as falas das televisões, concluirá que, entre 2107 e
2018, os gastos do SNS com “mercadorias e matérias consumidas”
(ex.: medicamentos), com “aquisição de serviços externos e com
“Pessoal” aumentaram de 9.639,2 milhões para 10.159,6 milhões €
(+520,7 milhões €), enquanto as transferências do Orçamento do
Estado para o SNS diminuíram de 8.866,1 milhões para 8.815,1
milhões € (-51 milhões €). Se incluirmos as taxas moderadoras e
a prestação de serviços pelo SNS o aumento de receitas, entre 2017
e 2018, é apenas 0,87%.
O Serviço
Nacional de Saúde (SNS) é financiado fundamentalmente com impostos
pagos por todos os portugueses, daí a razão de ser tendencialmente
gratuito. Mas para que isso aconteça, é necessário que os impostos
que constituem receita do Orçamente do Estado, uma parte seja
transferida para o SNS. E como os gastos deste estão aumentar devido
ao envelhecimento da população, à procura crescente de cuidados de
saúde por parte desta e ao aumento de preços dos bens (ex.
medicamentos) e dos serviços que adquire, e das remunerações dos
profissionais de saúde (efeito das progressões nas carreiras e de
novas contratações), é evidente para todos que era necessário
aumentar as transferências do Orçamento do Estado para o SNS. Mas o
que aconteceu entre 2017 e 2018 foi precisamente o contrário para
reduzir o défice orçamental. Os gastos com a compra matérias e
consumíveis e com aquisições de serviços a privados e com pessoal
aumentaram 5,4%, enquanto as transferências do OE para o SNS
diminuíram em 0,6%.
Em
percentagem da despesa do Estado (Administração Central) as
transferências para o SNS representaram, em 2017, apenas 10,6% da
despesa total do Estado e, em 2018, essa percentagem, que já era
insuficiente, ainda desceu para somente 10 %. Em percentagem do PIB,
entre 2017 e 2018, diminuiu de 4,5% do PIB, um valor já
insuficiente, para apenas 4,3% do PIB. Depois para colmatar o
“buraco” assim criado, o governo transferiu 500 milhões € para
aumentos de capital dos hospitais (pág. 63 do Anexo do Relatório),
que não deviam ser utilizados para pagar despesas correntes, mas que
naturalmente foram. Através de um processo de engenharia financeira,
evita-se Capitais Próprios negativos e o aumento do défice
orçamental.
Se se
tivesse introduzido na nova Lei de Bases da Saúde, como na altura
defendemos uma “norma travão” (que nenhum partido quis
introduzir na nova lei bases da saúde- Lei 95/2019), que impedisse
que as transferências do Orçamento do Estado para o Serviço
Nacional de Saúde fossem inferiores a 5% do valor do PIB nominal de
cada ano, em 2017 o SNS teria recebido do Orçamento do Estado mais
931,2 milhões € e, em 2018, mais 1.379,7 milhões €, o que
acabaria com o subfinanciamento cronico a que o SNS tem sido sujeito
a longo dos sucessivos governos para reduzir o défice orçamental, e
que está a destruí-lo e a causar a degradação dos serviços de
saúde públicos à população sentida por esta.
A
PRIVATIZAÇÃO CRESCENTE DO SNS DEVIDO AO AUMENTO DE AQUISIÇÃO DE
BENS E SERVIÇOS AOS PRIVADOS: a privatização crescente do SNS
através do outsourcing
Muitos
apenas se preocupam com a privatização do SNS através das
Parcerias Públicas Privadas, e pensam que eliminado estas acaba-se
com a privatização crescente do SNS e com a destruição a que tem
sido sujeito. Puro engano. Se se dessem ao trabalho de analisar com
atenção as contas do SNS rapidamente chegariam à conclusão que a
despesa com as Parcerias Públicas Privadas representa apenas uma
pequena percentagem da despesa do SNS utilizada para promover o
negócio privado da saúde em Portugal.
Segundo o
mesmo Relatório do Ministério da Saúde, entre 2017 e 2018, a
despesa com “Fornecimentos e Serviços Externos” de privados ao
SNS aumentou de 3.806,1 milhões € para 4.036,4 milhões € (+6%).
Deste total apenas 422 milhões € em 2018 (10,5%) foram com as
Parceria Público Privadas. Para além dos “Fornecimentos de Bens e
Serviços” adquiridos a privadas, o Serviços Nacional de Saúde,
segundo o mesmo Relatório do Ministério de Saúde, ainda adquiriu
ao sector privado “mercadorias e matérias” no montante de 1.732
milhões € em 2017 e 1.815,5 milhões € em 2018. E tudo isto tem
facilitado e mesmo sido promovido pelo subfinanciamento crónico do
SNS que o destrói mas que alimenta o sector privado de saúde.
O
ENDIVIDAMENTO CRESCENTE DO SNS AOS PRIVADOS PARA PODER FUNCIONAR, A
DIFICULDADE EM CONTRATAR TRABALHADORES E A IMPOSIÇÃO PELO
MINISTÉRIO DAS FINANÇAS À ADSE DE AQUISIÇÃO DE “PACOTES DE
HORAS” PAGANDO 4,77€/HORA
Segundo o
mesmo Relatório divulgado pelo Ministério da Saúde, no fim do ano
de 2018, o SNS devia a fornecedores privados 1.931,3 milhões € a
que se adicionava mais 53,5 milhões € a fornecedores de
investimentos. Face à insuficiência de transferências do Orçamento
do Estado para cobrir os seus gastos correntes, o SNS continua a ser
obrigado a acumular enormes dividas a fornecedores, sujeitando-se às
condições impostas por eles, nomeadamente preços e qualidade dos
produtos fornecidos (como diz o ditado “não há almoços grátis”)
contribuindo assim para falta de responsabilização a nível de
gestão, para o incumprimento a nível de objectivos, e para a
promiscuidade em relação aos profissionais de saúde que
simultaneamente trabalham no SNS e nos grandes grupos privados de
saúde, muitas vezes com escassa produtividade no SNS devido à falta
de condições e às baixas remunerações que auferem, o que impede
que se lhes exija a exclusividade. E o SNS e o sector privado têm
lógicas de funcionamento e objectivos muito diferentes (o primeiro,
ganhos de saúde; o 2º o lucro) e ninguém pode servir bem os dois
tão diferentes.
(...)
Segundo
os dados do Ministério das Finanças (DGAEP) do quadro 1, durante o
governo PS/Costa o número de profissionais de saúde aumentou em
9.488, nomeadamente enfermeiros (+5.246),. No entanto, como refere o
semanário Expresso, citado pela ZAP- online, em 29 de Junho de 2019,
“70% dos especialistas não estão em dedicação exclusiva. No
caso os médicos hospitalares, a presença intermitente é ainda
maior e chega aos 80%. A todos estes profissionais sem exclusividade
é permitido trabalhar em simultâneo no privado e trocar as horas
extras nas Urgências das suas unidades por outras que pagam mais à
tarefa, incluindo no SNS. O objectivo de dar resposta aos portugueses
continua a falhar. Há quatro hospitais da área de Lisboa, incluindo
a Maternidade Alfredo da Costa (MAC), sem anestesistas, obstetras ou
neonatologistas para o atendimento urgente em Julho e Agosto. Para
ter médicos suficientes, as contratações têm-se sucedido, e desde
2015 aumentou 10% o número de especialistas e 24% os internos, mas
nenhum dos novos contratos tem vínculo pleno ao SNS.
Segundo a
Administração Central do Sistema de Saúde, apenas 5587
especialistas estão em exclusivo, isto é, 30% do total de médicos
no SNS em 2018 (18.835). Nos hospitais são somente 2504, 20% deste
sector (12.448). Mesmo que os médicos queiram trabalhar só no
Estado não podem fazê-lo. A figura laboral da dedicação exclusiva
foi retirada da Saúde em 2009 porque era cara”. No Relatório
Social do Ministério da Saúde e do SNS de 2018, no quadro 6 da pág.
56, refere-se que 9.191 médicos têm contratos a prazo ou a termo
certo. É esta a realidade no SNS. Na ADSE, para colmatar a falta de
trabalhadores o Ministério das Finanças impõe que se faça
contratos com empresas de trabalho temporário pagando 4,77€/hora,
uma vergonha que deixou o concurso deserto e está a contribuir para
agravar a prestação de serviços aos beneficiários.
Por
outras palavras, a promiscuidade público-privado dos profissionais
de saúde assim como a precariedade impera no Serviço Nacional de
Saúde, não só constitui uma importante forma de financiamento dos
grandes grupos privados de saúde que assim têm, ao seu dispor,
profissionais altamente qualificados baratos pois pagam à peça ou à
percentagem, não tendo de suportar os outros custos, também
contribui para destruir o SNS (descapitalizando-o) cuja situação
difícil é prova disso.
A nova
lei de bases da saúde aprovada em 2019 – Lei 95/2019 – não
resolve nem acaba com esta promiscuidade pois, no nº 3 da sua Base
29, apenas dispõe o seguinte: “O Estado deve promover uma política
de recursos humanos que valorize a dedicação plena como regime de
trabalho dos profissionais de saúde do SNS, podendo, para isso,
estabelecer incentivos”. Praticamente não acrescenta nada ao que
existia na lei anterior (tudo vai depender do arbítrio do governo)
que contribuiu para conduziu o SNS à situação difícil em que se
encontra actualmente.