LUSA/TVI24
Paulo Guinote
Há
um oportuníssimo silêncio sobre o que se passa em torno da Ordem
dos Enfermeiros e do risco da sua dissolução, alegadamente por se
ter envolvido na organização da greve cirúrgica de há uns meses
(o que contrariaria o
nº 5 do artigo 3º do seu Estatuto,
embora a alínea r) do nº 3 deixe ali uma margem de manobra, por
pequena que seja nessa matéria).
O
silêncio é natural em todos aqueles que desgostam das “ordens”
por acharem que disputa, o espaço da “representação” dos
profissionais aos sindicatos, mas ficam algo presos num paradoxo
hipócrita porque a Ordem dos Enfermeiros está sob perseguição
exactamente por ter colaborado com os sindicatos da sua classe na
organização de uma greve. Porque se eu li muita gente criticar a
existência das ordens profissionais por serem um resquício do
“corporativismo fascista”, não leio nada agora sob o abuso do
poder “democrático” sobre uma organização que colocou em
primeiro lugar a defesa dos interesses laborais dos seus associados.
Algo que há muitos sindicatos que sacrificam à primeira puxadela
forte da trela dos “donos”. Mas as coisas são o que são e há
por aí muito “purista” encartado que de coerência tem pouco.
O
silêncio é igualmente natural, e bem mais expectável, em todos os
que sempre consideraram que o poder político (confundindo o
interesse particular de um dado governo com o do Estado) não deve
ser contestado a partir da base e que todas (ou quase) contestações
sociais devem ser contidas em limites “razoáveis”, devendo ser
remetida para as eleições tetranuais toda e qualquer intervenção
cívica mais activa. Basta ver que o próprio PSD (que se afirmava
ser quem estava por trás da acção da OE ou da sua presidente) está
silencioso sobre o assunto, sendo que na actual direcção do partido
está uma ex-bastonária (da Ordem dos Advogados) que todos nos
lembramos ter tomado atitudes bem agressivas em relação ao poder
político.
E é
aqui que desembocamos na diferença dada às ordens profissionais
mais poderosas (advogados e médicos) e a que é reservada às
restantes, sendo que algumas são perfeitamente anódinas e mal se
sabe existirem.
Quem
se esqueceu que no caso dos advogados existiram bastonári@s que
disseram e fizeram coisas bem mais agressivas e utilizando linguagens
e estratégias bem mais desrespeitosas do que a OE? O caso dos
advogados, desde logo com o inefável Marinho e Pinto à cabeça,
sempre com ameaças e chantagens públicas, e a acima referida Elina
Fraga como sucessora muito razoável? E no caso dos médicos, em que,
por exemplo, o actual bastonário parece um saltitão, a aparecer
sempre que parece conveniente e a pronunciar-se sobre assuntos que
dificilmente estarão nas atribuições da sua ordem (como comentar e
condenar a acção de profissionais de outras classes), cujo
estatuto segue
uma matriz, nessa matéria, semelhante à dos enfermeiros?
O
maior problema, contudo, é perceber que a lógica do “quem
se mete connosco, leva”,
por estes dias, tem a cobertura, por omissão, de forças politicas
que deveriam ser menos invertebradas na defesa dos direitos dos
trabalhadores, mesmo daqueles que parecem considerar “privilegiados”
por terem qualificações académicas superiores e remunerações
médias mais elevadas? Sim, no fundo eles são contrários às
“ordens” porque os seus sindicatos é que deveriam ter o
monopólio da representação dos trabalhadores mas… enfim… se já
os ouvi submeterem-se à lógica do “interesse nacional” e mesmo
das “boas contas”, não deveriam preocupar-se, desde logo, com a
forma como as soluções políticas transitórias abusam dos
mecanismos do Estado para submeter os seus adversários?
Parecendo
diferente, não o será muito a forma como no tempo
do engenheiro mandaram
intimidar um blogger (António
Balbino Caldeira), constituindo-o como arguido e confiscando-lhe
documentação e agora entraram pelas portas da OE e foram em busca
do que lhes pudesse sustentar a intimidação e ameaça de
dissolução. Nas duas situações está em causa não tanto o
cumprimento da Lei, mas a intimidação pelo exemplo do que pode
acontecer a quem levantar muito o cabelo…