Vasco Gargalo - "Sábado"
"Cumplicidades socialisto-privadas" (...ou como o BE estará neste momento a lamber as feridas por ter sido encornado pelo PS, talvez um golpe fatal na geringonça.)
por João Ramos de Almeida
«Agora
que se conhecem os documentos acordados
com o Governo e
aqueles que foram
modificados pelos deputados do PS,
é possível ver quais as verdadeiras preocupações dos deputados
socialistas.
E as diferenças não são apenas nas Parcerias
Público-Privadas (PPP) e nas taxas moderadoras. É bem mais vasto e
trata-se de um verdadeiro caderno de encargos favorável ao sector
privado, num ataque ao SNS. Nem se compreende como é que o PS
envereda por esta declaração de guerra, sem qualquer justificação
política.
Primeiro,
a gestão privada dos estabelecimentos hospitalares públicos em
PPP. Antes dizia-se: "A gestão dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde é pública, devendo a
escolha dos titulares dos seus órgãos de administração respeitar
os princípios da transparência, publicidade, concorrência e
igualdade". Agora, diz-se "A gestão dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde é pública, podendo
ser supletiva e temporariamente assegurada por contrato com
entidades privadas ou do setor social."
Segundo, o
financiamento do SNS. Antes, definia-se que "O
financiamento a que se refere o nº1 [O financiamento do SNS é
assegurado por verbas do Orçamento do Estado] deve permitir
que o SNS seja dotado dos recursos humanos, técnicos e financeiros
necessários ao cumprimento das suas funções e objetivos."
Agora, a proposta dos deputados do PS deixa cair esta obrigação.
Não
é uma questão de somenos. Tem sido o subfinanciamento crónico que
tem gerado ineficiência e ineficácias do SNS e aberto a porta
ao negócio do sector privado da Saúde. Sem
criação de uma procura, o mercado do sector privado na Saúde não
existe e não tem como sobreviver. Ao retirar a obrigação
pública de dotar o SNS de um financiamento adequado que pague o seu
funcionamento, os seus profissionais, está a criar-se um monstro
que tende a definhar e a gerar um mercado de Saúde.
E há
muito mais...
Terceiro,
taxas moderadoras. Antes, escrevia-se: "Tendo em
vista a correta orientação dos utentes, é dispensada a
cobrança de taxa moderadora nos cuidados de saúde primários e nas
demais prestações de saúde, se a origem da referenciação
para estas for o SNS." Agora, escreve-se: "A lei pode
prever a cobrança de taxas moderadoras, tendo em vista o controlo
da procura desnecessária e a orientação da procura para respostas
mais adequadas às necessidades assistenciais, sem prejuízo
de poder determinar a isenção de pagamento, nomeadamente em função
da situação de recursos, de doença ou de especial
vulnerabilidade"
Ou seja, aquilo que era taxativo -
"é dispensada a cobrança de taxa moderadora nos cuidados
de saúde primários e nas demais prestações de saúde" -
passa a ser uma possibilidade. E note-se a diferença entre uma
aplicação generalizada que passa a ser circunscrita à situação
de recursos, de doença e de vulnerabilidade.
A taxa
moderadora tinha duas funções: desincentivar um acesso
desnecessário aos serviços, mas ao mesmo tempo e como os
sucessivos governos foram elevando o seu valor que durante muito
tempo foi superior aos preços praticados no sector privado,
acabavam por gerar um incentivo ao recurso ao sector privado. Ao
impedir o seu fim, os deputados do PS mantêm o incentivo ao sector
privado. E por outro lado, ao acabar com a sua universalidade e ao
impor uma espécie de "condições de recursos" criam uma
desigualdade de tratamento entre cidadãos cujo espírito não está
na matriz do SNS.
Quarto,
recurso ao sector privado. Antes escrevia-se sobre a possibilidade
de contratos do SNS com entidades privadas: "Tendo em vista a
prestação de cuidados e serviços de saúde a beneficiários do
SNS, e quando o SNS não tiver, comprovadamente, capacidade
para a prestação de cuidados em tempo útil, podem ser
celebrados contratos com entidades do setor privado, do setor
social, bem como com profissionais em regime de trabalho
independente, condicionados à avaliação da sua necessidade".
Agora, ficou o mesmo princípio, mas sem aquela condição: "Tendo
em vista a prestação de cuidados e serviços de saúde a
beneficiários do SNS, podem ser celebrados contratos com
entidades do setor privado, do setor social, bem como com
profissionais em regime de trabalho independente, condicionados à
avaliação da sua necessidade."
Ou seja, os deputados
do PS desvincularam-se de qualquer pré-requisito de defesa do SNS e
passaram a ser verdadeiros embaixadores do sector privado, ao abrir
a porta - sem condições - à subcontratação ao sector
privado.
Quinto. Seguros de Saúde. Antes,
escrevia-se: "Os seguros e os planos de saúde são de adesão
voluntária e de cobertura suplementar ao SNS".
Agora, ficou: "Os seguros de saúde são de adesão voluntária
e de cobertura complementar ao SNS.
Ou seja, o
que antes apenas se circunscrevia ao que poderia ser "suplementar"
- leia-se, como o que não fosse prestado pelo SNS - agora
abre-se o seu âmbito a tudo o que possa ser "complementar",
o que é uma noção bem mais vaga. O mesmo serviço com uma
amplitude maior é ou não complementar?
Sexto, carreiras
dos profissionais da Saúde. Veja-se isto, que parece
escandaloso. Todo este capítulo caiu:
Profissionais
de saúde do SNS
1.
Os profissionais de saúde que trabalham no SNS têm direito a uma
carreira profissional que reconheça a sua diferenciação na área
da saúde.
2.
O Estado deve promover uma política de recursos humanos que
valorize a dedicação plena como regime de trabalho dos
profissionais de saúde do SNS podendo, para isso, estabelecer
incentivos.
3.
É promovida e assegurada a formação permanente aos profissionais
de saúde do SNS.
Ou
seja, os deputados do PS acharam por bem manter aquilo que se passou
ao longo de décadas e que tem explicado a passagem de profissionais
do SNS para o sector privado: a desarticulação dos serviços e de
carreiras. Aderiu-se assim à filosofia de que não deve haver um
Serviços Nacional de Saúde, mas um Sistema Nacional de Saúde em
que o SNS é apenas mais um dos serviços que é possível encontrar
na sociedade. Trata-se de uma assunção violenta contra o SNS.
Os
deputados socialistas terão de explicar muito bem o que os levou a
tamanho disparate!
Corolário: Parece que a proposta
que saiu da negociação com o Governo foi bem revista por alguém
que riscou tudo o que prejudicava os interesses privados. É, pois,
da maior transparência possível que se saiba o que realmente se
passou neste período de tempo. Porque parece bastante
grave.
Espero bem que os senhores deputados socialistas, a
que se junta a lista completa e
dos que têm assento na comissão
parlamentar de Saúde,
possam ser chamados à pedra e dêem explicações detalhadas de
como se operou esta alteração. Porque, independentemente do
direito de opinião, um cidadão questiona-se por que razão foram
tão minuciosas as alterações dos textos que poderiam melhorar o
sector público.
por João Ramos de Almeida
«Agora
que se conhecem os documentos acordados
com o Governo e
aqueles que foram
modificados pelos deputados do PS,
é possível ver quais as verdadeiras preocupações dos deputados
socialistas.
E as diferenças não são apenas nas Parcerias Público-Privadas (PPP) e nas taxas moderadoras. É bem mais vasto e trata-se de um verdadeiro caderno de encargos favorável ao sector privado, num ataque ao SNS. Nem se compreende como é que o PS envereda por esta declaração de guerra, sem qualquer justificação política.
E as diferenças não são apenas nas Parcerias Público-Privadas (PPP) e nas taxas moderadoras. É bem mais vasto e trata-se de um verdadeiro caderno de encargos favorável ao sector privado, num ataque ao SNS. Nem se compreende como é que o PS envereda por esta declaração de guerra, sem qualquer justificação política.
Primeiro,
a gestão privada dos estabelecimentos hospitalares públicos em
PPP. Antes dizia-se: "A gestão dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde é pública, devendo a
escolha dos titulares dos seus órgãos de administração respeitar
os princípios da transparência, publicidade, concorrência e
igualdade". Agora, diz-se "A gestão dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde é pública, podendo
ser supletiva e temporariamente assegurada por contrato com
entidades privadas ou do setor social."
Segundo, o
financiamento do SNS. Antes, definia-se que "O
financiamento a que se refere o nº1 [O financiamento do SNS é
assegurado por verbas do Orçamento do Estado] deve permitir
que o SNS seja dotado dos recursos humanos, técnicos e financeiros
necessários ao cumprimento das suas funções e objetivos."
Agora, a proposta dos deputados do PS deixa cair esta obrigação.
Não
é uma questão de somenos. Tem sido o subfinanciamento crónico que
tem gerado ineficiência e ineficácias do SNS e aberto a porta
ao negócio do sector privado da Saúde. Sem
criação de uma procura, o mercado do sector privado na Saúde não
existe e não tem como sobreviver. Ao retirar a obrigação
pública de dotar o SNS de um financiamento adequado que pague o seu
funcionamento, os seus profissionais, está a criar-se um monstro
que tende a definhar e a gerar um mercado de Saúde.
E há muito mais...
E há muito mais...
Terceiro,
taxas moderadoras. Antes, escrevia-se: "Tendo em
vista a correta orientação dos utentes, é dispensada a
cobrança de taxa moderadora nos cuidados de saúde primários e nas
demais prestações de saúde, se a origem da referenciação
para estas for o SNS." Agora, escreve-se: "A lei pode
prever a cobrança de taxas moderadoras, tendo em vista o controlo
da procura desnecessária e a orientação da procura para respostas
mais adequadas às necessidades assistenciais, sem prejuízo
de poder determinar a isenção de pagamento, nomeadamente em função
da situação de recursos, de doença ou de especial
vulnerabilidade"
Ou seja, aquilo que era taxativo - "é dispensada a cobrança de taxa moderadora nos cuidados de saúde primários e nas demais prestações de saúde" - passa a ser uma possibilidade. E note-se a diferença entre uma aplicação generalizada que passa a ser circunscrita à situação de recursos, de doença e de vulnerabilidade.
A taxa moderadora tinha duas funções: desincentivar um acesso desnecessário aos serviços, mas ao mesmo tempo e como os sucessivos governos foram elevando o seu valor que durante muito tempo foi superior aos preços praticados no sector privado, acabavam por gerar um incentivo ao recurso ao sector privado. Ao impedir o seu fim, os deputados do PS mantêm o incentivo ao sector privado. E por outro lado, ao acabar com a sua universalidade e ao impor uma espécie de "condições de recursos" criam uma desigualdade de tratamento entre cidadãos cujo espírito não está na matriz do SNS.
Ou seja, aquilo que era taxativo - "é dispensada a cobrança de taxa moderadora nos cuidados de saúde primários e nas demais prestações de saúde" - passa a ser uma possibilidade. E note-se a diferença entre uma aplicação generalizada que passa a ser circunscrita à situação de recursos, de doença e de vulnerabilidade.
A taxa moderadora tinha duas funções: desincentivar um acesso desnecessário aos serviços, mas ao mesmo tempo e como os sucessivos governos foram elevando o seu valor que durante muito tempo foi superior aos preços praticados no sector privado, acabavam por gerar um incentivo ao recurso ao sector privado. Ao impedir o seu fim, os deputados do PS mantêm o incentivo ao sector privado. E por outro lado, ao acabar com a sua universalidade e ao impor uma espécie de "condições de recursos" criam uma desigualdade de tratamento entre cidadãos cujo espírito não está na matriz do SNS.
Quarto, recurso ao sector privado. Antes escrevia-se sobre a possibilidade de contratos do SNS com entidades privadas: "Tendo em vista a prestação de cuidados e serviços de saúde a beneficiários do SNS, e quando o SNS não tiver, comprovadamente, capacidade para a prestação de cuidados em tempo útil, podem ser celebrados contratos com entidades do setor privado, do setor social, bem como com profissionais em regime de trabalho independente, condicionados à avaliação da sua necessidade". Agora, ficou o mesmo princípio, mas sem aquela condição: "Tendo em vista a prestação de cuidados e serviços de saúde a beneficiários do SNS, podem ser celebrados contratos com entidades do setor privado, do setor social, bem como com profissionais em regime de trabalho independente, condicionados à avaliação da sua necessidade."
Ou seja, os deputados do PS desvincularam-se de qualquer pré-requisito de defesa do SNS e passaram a ser verdadeiros embaixadores do sector privado, ao abrir a porta - sem condições - à subcontratação ao sector privado.
Quinto. Seguros de Saúde. Antes, escrevia-se: "Os seguros e os planos de saúde são de adesão voluntária e de cobertura suplementar ao SNS". Agora, ficou: "Os seguros de saúde são de adesão voluntária e de cobertura complementar ao SNS.
Ou seja, o que antes apenas se circunscrevia ao que poderia ser "suplementar" - leia-se, como o que não fosse prestado pelo SNS - agora abre-se o seu âmbito a tudo o que possa ser "complementar", o que é uma noção bem mais vaga. O mesmo serviço com uma amplitude maior é ou não complementar?
Sexto, carreiras dos profissionais da Saúde. Veja-se isto, que parece escandaloso. Todo este capítulo caiu:
Profissionais
de saúde do SNS
1.
Os profissionais de saúde que trabalham no SNS têm direito a uma
carreira profissional que reconheça a sua diferenciação na área
da saúde.
2. O Estado deve promover uma política de recursos humanos que valorize a dedicação plena como regime de trabalho dos profissionais de saúde do SNS podendo, para isso, estabelecer incentivos.
3. É promovida e assegurada a formação permanente aos profissionais de saúde do SNS.
Ou seja, os deputados do PS acharam por bem manter aquilo que se passou ao longo de décadas e que tem explicado a passagem de profissionais do SNS para o sector privado: a desarticulação dos serviços e de carreiras. Aderiu-se assim à filosofia de que não deve haver um Serviços Nacional de Saúde, mas um Sistema Nacional de Saúde em que o SNS é apenas mais um dos serviços que é possível encontrar na sociedade. Trata-se de uma assunção violenta contra o SNS.
Os deputados socialistas terão de explicar muito bem o que os levou a tamanho disparate!
Corolário: Parece que a proposta que saiu da negociação com o Governo foi bem revista por alguém que riscou tudo o que prejudicava os interesses privados. É, pois, da maior transparência possível que se saiba o que realmente se passou neste período de tempo. Porque parece bastante grave.
Espero bem que os senhores deputados socialistas, a que se junta a lista completa e dos que têm assento na comissão parlamentar de Saúde, possam ser chamados à pedra e dêem explicações detalhadas de como se operou esta alteração. Porque, independentemente do direito de opinião, um cidadão questiona-se por que razão foram tão minuciosas as alterações dos textos que poderiam melhorar o sector público.
2. O Estado deve promover uma política de recursos humanos que valorize a dedicação plena como regime de trabalho dos profissionais de saúde do SNS podendo, para isso, estabelecer incentivos.
3. É promovida e assegurada a formação permanente aos profissionais de saúde do SNS.
Ou seja, os deputados do PS acharam por bem manter aquilo que se passou ao longo de décadas e que tem explicado a passagem de profissionais do SNS para o sector privado: a desarticulação dos serviços e de carreiras. Aderiu-se assim à filosofia de que não deve haver um Serviços Nacional de Saúde, mas um Sistema Nacional de Saúde em que o SNS é apenas mais um dos serviços que é possível encontrar na sociedade. Trata-se de uma assunção violenta contra o SNS.
Os deputados socialistas terão de explicar muito bem o que os levou a tamanho disparate!
Corolário: Parece que a proposta que saiu da negociação com o Governo foi bem revista por alguém que riscou tudo o que prejudicava os interesses privados. É, pois, da maior transparência possível que se saiba o que realmente se passou neste período de tempo. Porque parece bastante grave.
Espero bem que os senhores deputados socialistas, a que se junta a lista completa e dos que têm assento na comissão parlamentar de Saúde, possam ser chamados à pedra e dêem explicações detalhadas de como se operou esta alteração. Porque, independentemente do direito de opinião, um cidadão questiona-se por que razão foram tão minuciosas as alterações dos textos que poderiam melhorar o sector público.
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