sábado, 13 de abril de 2019

Os projectos de nova Lei de Bases da Saúde e os graves problemas do SNS


Eugénio Rosa

OS PROJETOS DE NOVA LEI DE BASES DA SAÚDE EM DEBATE NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA NÃO RESOLVEM OS PROBLEMAS GRAVES DO SERVIÇO NACIONAL SAÚDE (SNS)

Estão neste momento em debate na Assembleia da República 5 projetos de nova lei de bases da saúde, mas nenhum deles resolve os problemas mais graves do SNS, até porque eles não resultam da atual lei. E problemas graves são o subfinanciamento crónico do SNS e a promiscuidade público/privado, incluindo a dos profissionais de saúde, que trabalham simultaneamente no SNS e nos grupos privados de saúde, o que resulta também de não terem nem carreiras nem salários dignos no SNS. Nenhum dos 5 projetos contém medidas concretas para resolver pelos menos estes problemas.

O SUBFINANCIAMENTO CRÓNICO DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE (SNS)

A redução da despesa de saúde em Portugal tem como causa o subfinanciamento crónico do SNS (transferências do Orçamento do Estado muito inferiores à despesa). No período 2010/2019, as transferências do Orçamento do Estado para o SNS constantes dos orçamentos iniciais aprovados foram sistematicamente inferiores às despesas previstas do SNS.

Neste período as transferências previstas somaram 83.277 milhões € e as despesas previstas totalizaram 94.769 milhões €. As transferências foram inferiores às despesas em 11.492 milhões €, segundo dados fornecidos pelo atual governo à Assembleia da República. Esta diferença foi “coberta” pelas taxas moderadoras (120/170 milhões €/ano) e pelo endividamento – em setembro de 2018 a divida atingia 1.950 milhões € segundo o governo - parcialmente pago com reforços do orçamento no fim de todos os anos. Um processo que levou à degradação a que chegou atualmente o SNS.

EM NENHUMA DOS PROJETOS DE NOVA LEI DE BASES DE SAÚDE EXISTE QUALQUER NORMA QUE PONHA UM TRAVÃO À DEGRADAÇÃO DO SNS, E O AUMENTO DA DESPESA DAS FAMILIAS COM SAÚDE

A parcela da riqueza criada anualmente no país (PIB) destinada pelos sucessivos governos ao financiamento do SNS é cada menor: 5,11% do PIB em 2010, e apenas 4,41% em 2019 (até Cavaco Silva, com a desfaçatez, rancor e desonestidade intelectual habitual, veio agora falar da degradação do SNS, quando foi durante o período em que ele foi presidente da República que o SNS foi mais destruído pelo estrangulamento financeiro e ele nunca abriu a boca).

Se a lei de bases da saúde estabelecesse como limite mínimo que as transferências do OE para o SNS não podiam ser inferiores a 5% do PIB a preços correntes de cada ano, o SNS receberia, em 2019, mais 1.242 milhões €. Este artigo travão na lei impediria que ficasse ao arbítrio do governo transferir o que quiser, e utilizar o SNS, através do subfinanciamento, para reduzir o défice como faz o atual governo, para depois se gabar em Bruxelas de défice zero conseguido também à custa da destruição do SNS. Quem ousará defender que a nova lei de bases tenha um artigo de travão da degradação do SNS (transferências do OE para o SNS nunca poderem ser inferiores a 5% do PIB, por ex.)?

Simplesmente declarar que se defende o SNS não basta. São precisos atos. Como consequência da degradação do SNS, em 2017, segundo a OCDE, a despesa de saúde suportada pelas famílias em Portugal representou já 28% da despesa total de saúde, quando na U.E. era 18%

A PROMISCUIDADE PUBLICO-PRIVADA ESTÁ A DESTRUIR O SNS POR DENTRO

Interessa analisar o problema da promiscuidade público-privada na sua totalidade. E isto porque a promiscuidade público-privada que está destruir por dentro (autêntico cavalo de Troia) o SNS não se limita apenas à não entrega da gestão de unidades públicas de saúde a grupos privados de saúde (as PPP; exs: Hospitais de Loures, Cascais, Vila Franca de Xira e Braga) como consta das propostas de lei dos partidos da esquerda que estão na Assembleia da República. É importante reduzir e mesmo acabar com isso, pois custa ao OE cerca de 474 milhões/ano e fortalece os grandes grupos privados da saúde. Mas não é a única que afeta o SNS.

A promiscuidade público-privada inclui também a dos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, etc.) que trabalham simultaneamente no SNS e nos hospitais dos grandes grupos privados (LUZ, José Mello Saúde, Lusíadas, Trofa, HPA, etc.), o que permite a estes grupos desnatar o SNS e utilizar esses profissionais quando precisam sem ter de suportar os custos permanentes com eles limitando-se a pagar uma % do pago pelo doente. Pagam por ato médico (à peça, temporário, espécie de trabalho à jorna moderno), sendo uma forma também do SNS financiar o setor privado.

É urgente ter coragem de enfrentar este grave problema que está a destruir o SNS por dentro, impondo gradualmente a exclusividade aos profissionais (têm a liberdade de optar livremente pelo SNS ou pelo setor privado, não podendo estar simultaneamente nos dois), oferecendo, em troca, uma carreira e remunerações dignas, o que não acontece atualmente.

Nem o governo nem os partidos que apresentaram projetos de lei na Assembleia da República tiveram a coragem de enfrentar este problema que destrói o SNS e de propor medidas concretas visando a eliminação gradual deste tipo de promiscuidade (ex. exclusividade imediata dos diretores clínicos e dos novos médicos do SNS).

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