António Garcia Pereira
«O ACES
– Agrupamento dos Centros de Saúde identificou o ano passado 65
mil idosos com mais de 65 anos. E o Projecto de Proximidade Sénior
do Centro de Contacto SNS (iniciado em Dezembro de 2018) conseguiu
contactar telefonicamente apenas 17.399 idosos com mais de 75 anos de
idade, para concluir que 17% deles (cerca de 2.800) estão em
situação de particular fragilidade, devido a faltas de memória,
limitações nos movimentos e diversas e graves dificuldades em
viverem sozinhos e em resolverem os inerentes problemas.
Temos,
pois, uma população muito envelhecida (no distrito de Castelo
Branco a percentagem da população acima dos 65 anos relativamente a
toda a população é mesmo superior a 40% e relativamente à
população activa mais de 80%!) e bastante pobre, porquanto os dados
oficiais comprovam que 30,1% dos nossos velhos estão abaixo do
limiar da pobreza, enquanto a média da UE é de 23,6%. E, conforme
afirmou recentemente a Comissária Europeia do Emprego, Marianne
Thyssen, as prestações sociais da Segurança Social portuguesa, a
começar pelos subsídios de desemprego e de doença, têm, desde
2014 para cá, cada vez menos impacto na redução da pobreza, o que,
no painel de indicadores sociais com que a Comissão Europeia avalia
a evolução macroeconómica de cada país, é mesmo definido como
uma “situação crítica”.
Os
nossos velhos são assim cada vez mais, e cada vez mais sozinhos e
cada vez mais pobres. E também cada vez mais doentes e carecedores
de cuidados de saúde e de acompanhamento. O que os torna seres
humanos particularmente indefesos e vulneráveis.
A
gravidade desta situação é também claramente confirmada pela 3ª
edição do “Barómetro” promovido pela Associação de
Administradores Hospitalares, o qual constatou que, em Fevereiro
deste ano e num universo de 33 unidades hospitalares (correspondentes
a 70% dos hospitais do SNS), estão por dia ocupadas 829 camas – o
que significa seguramente mais de 1000 em todo o SNS – com os
chamados “internamentos sociais”. Ou seja, com o internamento de
pessoas que, já não carecendo propriamente de cuidados
hospitalares, mas pura e simplesmente não tendo para onde ir, são
mantidas no hospital por razões humanitárias de subsistência e de
sobrevivência para ao menos ali terem onde dormir e comer.
Tais
internamentos sociais representam cerca de 5% do total e a sua
duração média passou este ano, num gigantesco aumento de 46% em
relação ao ano passado, de 67,4 dias para 98,4 dias cada. Perto de
metade deles (44%) são pessoas com mais de 80 anos e a sua
permanência nos hospitais decorre da incapacidade, ou até do
abandono, por parte das famílias para as acolher, mas também e
sobretudo da gritante falta de resposta da rede dos chamados cuidados
continuados de saúde.
Desta
questão da falta de assistência minimamente digna aos nossos velhos
quase ninguém fala porque a ideologia dominante é a concepção de
que o país e os seus serviços públicos não são para os idosos,
fracos e doentes, os quais constituem antes um “fardo” e um
encargo financeiro para os restantes membros da sociedade.
Apresentando assim tal concepção como legítimo que se reduzam, ou
até se eliminem, os tratamentos dos mais idosos, em particular os
mais caros (como os oncológicos e a hemodiálise), por não se
justificarem numa fria e brutal análise dita custo/benefício. E o
mesmo é defendido quanto às instituições e serviços de apoio e
ao acompanhamento não hospitalar (como os tais serviços de
“cuidados continuados”).
E quem
não diz uma palavra sobre tudo isto é, desde logo, a ministra da
Saúde Marta Temido. Que, recorde-se uma vez mais, foi em 2017
demitida do cargo de Presidente da ACCS – Autoridade Central de
Cuidados de Saúde por o Tribunal de Contas, no relatório de
auditoria nº 15/2017 da 2ª Secção, ter posto a claro que, sob a
sua presidência, tal Autoridade Central manipulou grosseiramente as
estatísticas oficiais, designadamente quanto ao número das listas e
aos tempos de espera dos doentes, não sendo por isso de todo fiável
a informação por ela prestada.
Aliás,
e contrariamente às sempre pomposas promessas governamentais feitas
pela mesma ministra da Saúde, ainda agora, não só cerca de 700 mil
portugueses continuam sem médico de família como, em vez do
prometido aumento de 279 camas, neste último ano, os 3 grandes
hospitais de Lisboa perderam 96 camas e, nos últimos 10 anos,
perderam 751!
E
quanto à Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (criada
pelo Dec. Lei nº 101/2006, de 6 de Junho e apresentado pela mesma
ministra da Saúde como uma verdadeira “aposta” do governo), a
mesma apresenta graves deficiências, aliás, já detectadas num
Estudo da Entidade Reguladora da Saúde de 5/2/2013 (intitulado
“Avaliação do Acesso dos Utentes aos Cuidados Continuados de
Saúde”), mas que se têm vindo a agravar sucessivamente – falta
de instituições e de camas, insuficiência do número de médicos e
de enfermeiros, encargos indevidos e entraves financeiros ao acesso
por parte dos cidadãos às unidades, em particular às de média e
longa duração. Isto, para além de o Ministério da Saúde não
pagar às unidades de cuidados de saúde – acumulando uma dívida
que, no início deste ano de 2019 e segundo a respectiva Associação
Nacional, ascendia a 6,4 milhões de euros – pondo assim em risco
todo o sector e o asseguramento dos cuidados a quem deles mais
necessita...
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