quinta-feira, 11 de abril de 2019

Este País não é para velhos!

António Garcia Pereira
«O ACES – Agrupamento dos Centros de Saúde identificou o ano passado 65 mil idosos com mais de 65 anos. E o Projecto de Proximidade Sénior do Centro de Contacto SNS (iniciado em Dezembro de 2018) conseguiu contactar telefonicamente apenas 17.399 idosos com mais de 75 anos de idade, para concluir que 17% deles (cerca de 2.800) estão em situação de particular fragilidade, devido a faltas de memória, limitações nos movimentos e diversas e graves dificuldades em viverem sozinhos e em resolverem os inerentes problemas.
Temos, pois, uma população muito envelhecida (no distrito de Castelo Branco a percentagem da população acima dos 65 anos relativamente a toda a população é mesmo superior a 40% e relativamente à população activa mais de 80%!) e bastante pobre, porquanto os dados oficiais comprovam que 30,1% dos nossos velhos estão abaixo do limiar da pobreza, enquanto a média da UE é de 23,6%. E, conforme afirmou recentemente a Comissária Europeia do Emprego, Marianne Thyssen, as prestações sociais da Segurança Social portuguesa, a começar pelos subsídios de desemprego e de doença, têm, desde 2014 para cá, cada vez menos impacto na redução da pobreza, o que, no painel de indicadores sociais com que a Comissão Europeia avalia a evolução macroeconómica de cada país, é mesmo definido como uma “situação crítica”.
Os nossos velhos são assim cada vez mais, e cada vez mais sozinhos e cada vez mais pobres. E também cada vez mais doentes e carecedores de cuidados de saúde e de acompanhamento. O que os torna seres humanos particularmente indefesos e vulneráveis.
A gravidade desta situação é também claramente confirmada pela 3ª edição do “Barómetro” promovido pela Associação de Administradores Hospitalares, o qual constatou que, em Fevereiro deste ano e num universo de 33 unidades hospitalares (correspondentes a 70% dos hospitais do SNS), estão por dia ocupadas 829 camas – o que significa seguramente mais de 1000 em todo o SNS – com os chamados “internamentos sociais”. Ou seja, com o internamento de pessoas que, já não carecendo propriamente de cuidados hospitalares, mas pura e simplesmente não tendo para onde ir, são mantidas no hospital por razões humanitárias de subsistência e de sobrevivência para ao menos ali terem onde dormir e comer.
Tais internamentos sociais representam cerca de 5% do total e a sua duração média passou este ano, num gigantesco aumento de 46% em relação ao ano passado, de 67,4 dias para 98,4 dias cada. Perto de metade deles (44%) são pessoas com mais de 80 anos e a sua permanência nos hospitais decorre da incapacidade, ou até do abandono, por parte das famílias para as acolher, mas também e sobretudo da gritante falta de resposta da rede dos chamados cuidados continuados de saúde.
Desta questão da falta de assistência minimamente digna aos nossos velhos quase ninguém fala porque a ideologia dominante é a concepção de que o país e os seus serviços públicos não são para os idosos, fracos e doentes, os quais constituem antes um “fardo” e um encargo financeiro para os restantes membros da sociedade. Apresentando assim tal concepção como legítimo que se reduzam, ou até se eliminem, os tratamentos dos mais idosos, em particular os mais caros (como os oncológicos e a hemodiálise), por não se justificarem numa fria e brutal análise dita custo/benefício. E o mesmo é defendido quanto às instituições e serviços de apoio e ao acompanhamento não hospitalar (como os tais serviços de “cuidados continuados”).
E quem não diz uma palavra sobre tudo isto é, desde logo, a ministra da Saúde Marta Temido. Que, recorde-se uma vez mais, foi em 2017 demitida do cargo de Presidente da ACCS – Autoridade Central de Cuidados de Saúde por o Tribunal de Contas, no relatório de auditoria nº 15/2017 da 2ª Secção, ter posto a claro que, sob a sua presidência, tal Autoridade Central manipulou grosseiramente as estatísticas oficiais, designadamente quanto ao número das listas e aos tempos de espera dos doentes, não sendo por isso de todo fiável a informação por ela prestada.
Aliás, e contrariamente às sempre pomposas promessas governamentais feitas pela mesma ministra da Saúde, ainda agora, não só cerca de 700 mil portugueses continuam sem médico de família como, em vez do prometido aumento de 279 camas, neste último ano, os 3 grandes hospitais de Lisboa perderam 96 camas e, nos últimos 10 anos, perderam 751!
E quanto à Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (criada pelo Dec. Lei nº 101/2006, de 6 de Junho e apresentado pela mesma ministra da Saúde como uma verdadeira “aposta” do governo), a mesma apresenta graves deficiências, aliás, já detectadas num Estudo da Entidade Reguladora da Saúde de 5/2/2013 (intitulado “Avaliação do Acesso dos Utentes aos Cuidados Continuados de Saúde”), mas que se têm vindo a agravar sucessivamente – falta de instituições e de camas, insuficiência do número de médicos e de enfermeiros, encargos indevidos e entraves financeiros ao acesso por parte dos cidadãos às unidades, em particular às de média e longa duração. Isto, para além de o Ministério da Saúde não pagar às unidades de cuidados de saúde – acumulando uma dívida que, no início deste ano de 2019 e segundo a respectiva Associação Nacional, ascendia a 6,4 milhões de euros – pondo assim em risco todo o sector e o asseguramento dos cuidados a quem deles mais necessita...

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