domingo, 14 de abril de 2019

A campanha negra contra os enfermeiros, os professores e estivadores



Raquel Varela
Nunca tive dúvidas sobre a pertinência e a legitimidade da greve dos enfermeiros e do fundo de greve - mesmo quando pessoas que respeito aderiram ao coro do «estão a matar-nos». Agora porém foi escrutinado e são conhecidos os resultados, foram enfermeiros e as suas famílias a financiar a ampla maioria do fundo.
Confirmam que os enfermeiros foram alvo de uma campanha negra, o tipo de campanhas, em geral pagas a peso de ouro nas agências de comunicação - mas com muitos voluntários também entre partidários deste ou daquele governo - , em que em vez de se combater as ideias adversárias se denigre o adversário com calúnias, suspeitas, que mesmo não confirmadas deixam no ar a dúvida. É a forma de fazer política que afasta qualquer pessoa com ética da....política. Costa foi o maior neste campo, mas não foi o único.
Quem era contra a greve - não era o meu caso - devia-a ter combatido no terreno das ideias e não da calúnia, explicando porque estava contra a greve. Não acredito que a população se tenha virado contra os enfermeiros porque há um enorme hiato - cada vez maior - entre a opinião pública e a publicada. Mas tenho a certeza que o Governo e a esquerda que o apoia no Parlamento (que não é a esquerda toda do país) semearam, cito de cor um trabalhador da auto Europa sobre isto, "um mar de sal nesta terra que tão cedo não vai ser verde". Tão cedo os enfermeiros não confiarão nestes partidos que na hora H - de uma greve exemplar em defesa do SNS (ainda que os enfermeiros tenham falhado em a comunicar como tal) - aderiram ao coro de «estão a matar pessoas, financiados pelo grupo Mello». Era a hora de defender as carreiras na saúde, os aumentos de salários, defendendo o SNS. Era o tempo de defender os enfermeiros em vez de lamentarem que outros - como a Ordem - o fizessem. Falou mais alto o cálculo eleitoral - o que se pagará, porque há cada vez menos uma relação entre força eleitoral e força social, relações de confiança entre representantes e representados. Essa é a grande crise de regime actual.
Os erros dos enfermeiros - não ter deixado claro que ao defender-se a si estavam a defender o SNS e exigir serviços mínimos exemplares, defender os médicos também - não foram nada em comparação com os erros do Governo e seus apoiantes, que embarcaram numa campanha que - hoje está provado - foi eticamente indecente. Não mataram ninguém. Foram alvo de uma medida de Estado de força anti greve. Escusado será acrescentar - mas faço-o - que entretanto as listas de espera na saúde...já subiram em vários sectores - e não há greve.
Reitero a minha admiração pela coragem com que vieram defender um aumento de salário substancial (em vez dos deprimentes 2% comuns da teoria do país pobrezinho) e a forma exemplar de solidariedade que demonstraram entre si, ao fazer um fundo de greve que fez-nos recordar os maiores fundos de greve do nascimento das estruturas sindicais. Houve erros - para mim eram conhecidos e previsíveis, porque já estudámos milhares de greves nos últimos 200 anos, inventamos pouco na sociedade moderna, mas raramente procuramos saber o que já foi inventado, é para isso que os historiadores servem, para aprender com o passado. A boa notícia é que a vida dos movimentos sociais não é muito diferente da nossa vida pessoal - erramos, mas se aprendemos com os erros, saímos deles mais fortes.
Os estivadores ganhavam 5000 euros, os professores eram preguiçosos sempre de férias, os enfermeiros matam pessoas, quando é que desligamos este botão da propaganda básica e começamos a falar de trabalho a sério, e direitos a sério?

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