Santana Castilho*
«Senhor
Primeiro-ministro:
Uma
carta aberta é um recurso retórico. Uso-o para lhe dizer o que a
verdade reclama. Errará se tomar esta carta por mais uma
reivindicação de grémio. Não invoco qualquer argumento de
autoridade por pertencer a uma classe a quem deve parte do que sabe.
Escrevo-a do meu posto de observação da vida angustiada de milhares
de professores, que o Senhor despreza. Com efeito, cada vez que o
Senhor afirma que os professores são intransigentes, está antes a
falar de si e do seu governo. Como pequeno manipulador que é,
falta-lhe a humildade e a honestidade para reconhecer que falhou no
relacionamento com os professores e recorre a uma narrativa que não
resiste à confrontação com os factos. Façamo-la.
O
Senhor mente quando fala de 600 milhões. Nunca apresentou as suas
contas. Os professores deixaram as contas certas na AR. Nem de metade
se pode falar!
O
problema não está, nem nunca esteve, no dinheiro. Está, como
sempre esteve, nas mentiras e nas escolhas políticas do seu governo.
Está na manipulação dos números, no abocanhar oculto de receitas
injustas e nas cativações. Está nas diferenças entre os
orçamentos de fachada que a “geringonça” aprovou e os
orçamentos de austeridade desumana que Ronaldo Centeno executou.
Numa palavra, causa-me náusea ouvi-lo dizer que não tem dinheiro
para pagar o que deve aos professores, depois de ter aprovado cinco
mil milhões para sustentar bancos parasitas.
O tom
que usou para falar de enfermeiros e professores, que não se portam
como eunucos de outros tempos, foi demasiado vulgar e não serviu a
cultura cívica minimamente decente que se deseja para o país. Não
se sentiu incomodado por uma ministra do seu Governo homologar um
parecer onde se diz que uma greve que não afecte mais os
trabalhadores do que o patrão é ilegal? Ficou tranquilo quando o
seu Governo protegeu os fura-greves dos estivadores de Setúbal? Não
veria a democracia em risco se pertencessem a outro governo, que não
o seu, estas acometidas contra a liberdade sindical? Numa palavra, a
sua arrogância tornou-se insuportável.
Não
posso concluir sem uma referência ao conforto que o Presidente da
República lhe veio dar, quando perguntou: “é preferível zero ou
alguma recuperação?” É estranho que um professor, para mais do
cimo da mais alta cátedra da nação, pareça sugerir a outros
professores que troquem a ética pela pragmática. Como se ser justo
fosse equivalente a ser oportunista ou ser esperto. Fora eu o
interpelado, que no caso felizmente não sou, e respondia-lhe: zero!
Por dignidade mínima. Porque se a lei pudesse ser substituída pela
pragmática, aqui e além, a vida moral virava simples hipocrisia.
Porque o modelo de actuação de um professor não é o modelo de
actuação do homo economicus, que facilmente troca a
fiabilidade do seu carácter por qualquer ganho imediato. Para não
aviltar quantos lutam pela justiça e são solidários com os colegas
humilhados.
Termino
assumindo que, para além do que lhe acabo de dizer, tenho uma
posição ideológica clara: sou visceralmente contra as pedagogias
propaladas por meninos crescidos, glosando como se fossem coisa nova
temas como flexibilidade, autonomia e inclusão, que colocaram no fim
da lista os conhecimentos essenciais à compreensão do nosso mundo e
à formação de cidadãos inteiros.
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