quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Serviço Nacional de Saúde ou Sistema Nacional de Saúde? O PR Marcelo quer escolher!





«Ao tomar partido por uma das propostas, o Presidente da República está a criar um facto político em torno da Lei de Bases da Saúde» (Um veto avant la lettre - CIPRIANO JUSTO)

«Logo que foi anunciada a aprovação da proposta de Lei de Bases da Saúde pelo Conselho de Ministros, mal colocaram um microfone à frente do Presidente da República foi para avisar os deputados de que vetaria a lei que lhe enviassem se não tivesse obtido o consenso parlamentar. Descodificando, se não fosse aprovada, pelo menos, pelo PS e pelo PSD. As razões não eram se era uma boa lei, servindo os portugueses, respondendo aos desafios colocados pelos novos problemas de saúde, cobrindo as necessidades em saúde, salvaguardando o papel do SNS na protecção da saúde da população. Ao tomar partido por uma das propostas, o Presidente da República não está a fazer um julgamento de valor sobre os dois trabalhos em causa, o da comissão governamental e o da ministra da Saúde, está a criar um facto político: tentar semear a discórdia e procurar estabelecer a divisão dentro do PS, principalmente dentro do seu grupo parlamentar, já que a única coisa que o seu partido tem para apresentar é o powerpoint de Luís Filipe Pereira. É nesse domínio político que ele investe o seu portfolio de selfies, beijos e abraços.

Não lhe veio à memória que em 1990 a Lei de Bases foi aprovada exclusivamente pelo PSD, tendo durado 28 anos. Nesse tempo, porventura assoberbado com os afazeres de vereador da CML, não fez ouvir a sua voz a favor do almejado consenso sobre a matéria. Nem se lembrou de que a lei do SNS, de 1974, teve os votos contra do PSD e do CDS. Estes dois exemplos associados à peregrinação a Belém do grupo dos 44, poucos dias antes da decisão do Conselho de Ministros, são a melhor ilustração de que no sector da saúde, onde se joga cerca de 10% do PIB, a probabilidade de se obter qualquer consenso com a direita aproxima-se bastante do zero. A não ser que o PS venha a abdicar dos seus compromissos, traindo a memória de António Arnaut e o seu legado político.

É verdade que não está na proposta do Governo aquilo que porventura mais lhe dói politicamente, ter sido suprimida a natureza complementar entre o SNS e o sector privado, conhecida pela teoria dos dois hemisférios. A característica que autorizava a evolução do Serviço Nacional de Saúde para um Sistema Nacional de Saúde, aberto à voracidade do sector privado e onde o serviço público iria substituir o papel antes atribuído às misericórdias. Nem a flexibilidade, aquela qualidade própria dos contorcionistas, boa para justificar todas as mudanças de direcção e todas as combinações espúrias. Aquilo que em dada altura, quando a comissão governamental para a elaboração dos termos de referência da proposta de Lei de Bases da Saúde iniciou os trabalhos, foi defendido por ele.

(...)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

O SUBFINANCIAMENTO DO SNS VAI CONTINUAR EM 2019



Quem oiça o governo sobre o SNS, ficará com a ideia que, em 2019, o SNS receberá do Orçamento do Estado mais 612 milhões € do que em 2018. No entanto, isso não é verdade. O aumento verdadeiro será apenas 394 milhões €, ou seja, menos 218 milhões € do que o apregoado pelo governo. E mesmo este se retirarmos o aumento das despesas com pessoal (131,6 milhões € para progressões da carreira e contratação de profissionais) reduz-se significativamente, pois ficam apenas 262,4 milhões €. A pergunta que se coloca é esta: Como é que o governo obtém o milagre dos 612 milhões € de que fala? Para compreender a artimanha do governo, observe-se a linha azulada (a 1ª a contar de baixo para cima) do gráfico anterior. Para obter os 612 milhões €, o governo compara o valor de transferência previsto no orçamento inicial de 2019 (9.206 milhões €), não com o valor total transferido e gasto em 2018 para o SNS (8.812 milhões €), mas sim com o valor do Orçamento inicial de 2018 que era 8.594 milhões €, um valor que se sabia que era insuficiente. É uma habilidade para enganar a opinião pública.
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Os dados do gráfico 2 são do governo. Segundo eles, entre o 3º Trim.2015 e o 3º Trim. 2018, portanto já com o atual governo, a divida total do SNS a fornecedores privados aumentou de 1.456 milhões € para 1.950 milhões € (+506 milhões €), e os pagamentos em atraso, ou seja, a divida com mais de 60 dias, subiu de 446 milhões € para 862 milhões € (+ 416 milhões €). É de prever que no fim de 2018, a divida do SNS a fornecedores privados seja superior a 1500 milhões €. Comparece-se este valor com o aumento das transferências efetivas em 2019, quando comparadas com as de 2018.
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E isto porque a juntar às dificuldades financeiras crescentes do SNS devido ao subfinanciamento crónico há ainda a acrescentar a promiscuidade público-privada a que ele está sujeito e o corrói por dento como autêntico “cavalo de troia”. A promiscuidade público-privada não se limita, como muitos pretendem fazer crer, à entrega da gestão de unidades públicas de saúde a grupos privados de saúde (as chamadas PPP), como acontece com os Hospitais de Loures, Cascais, Vila Franca de Xira e Braga. A promiscuidade público-privada inclui também a dos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, etc.) que trabalham simultaneamente no SNS e nos hospitais dos grandes grupos privados de saúde (LUZ, José Mello Saúde, Lusíadas, Trofa, HPA) que dominam já completamente o setor privado da saúde , eliminando os pequenos e médios prestadores sem futuro, mas ninguém tem a coragem de enfrentar este grave problema que destrói o SNS, com medo.
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Os profissionais de saúde devem ter a liberdade de escolha entre o publico e o privado, entre o SNS e os grandes grupos privados de saúde, mas não devem ter a liberdade para estar simultaneamente nos dois pois os malefícios são bem conhecidos e, a continuar, o SNS será destruído (corroído) por dentro, por mais dinheiro que se “despeje” nele, já que a boa gestão e a utilização eficiente dos recursos que tem como origem os impostos pagos pelos portugueses estará sempre comprometida e os riscos de perda de profissionais a que o SNS fica sujeito são enormes assim como a utilização do SNS pelos grandes grupos privados da saúde. Em contrapartida da exclusividade a exigir no SNS, deve-se oferecer aos profissionais de saúde uma carreira digna e salários dignos que atualmente não têm.

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