Como a morte de uma garota de dois anos despertou a consciência popular sobre a perversidade de um sistema em que o lucro está acima da vida
Saúde
como mercadoria
O ditador Augusto Pinochet, que comandou com mãos de ferro o Chile entre 1973 e 1990, instalou um modelo neoliberal que sofreu poucas reformas nas últimas décadas. O sistema de saúde do país, que o caso Amelia expôs, é um exemplo: não é um direito, mas uma mercadoria.
“Nossa
Constituição é a Constituição da ditadura de Pinochet e não
garante direitos básicos como saúde, educação ou aposentadoria”,
explica Camila, didática, quando pergunto sobre o modelo que
propiciou sua lastimável perda. “Nenhum dos diferentes presidentes
que passaram por nossa história conseguiu mudá-la – até porque
não lhes convém, são representantes de grandes grupos econômicos
e políticos. Somente conseguimos acessar esses serviços por meio de
empresas privadas, ou seja, a qualidade de serviços para um chileno
depende do quanto ele pode pagar.
Durante
todas essas décadas, reduziram a capacidade de atendimento do Estado
para, assim, empresários serem contratados como prestadores de
serviços para o Estado”, complementa ela.
O povo
chileno, para utilizar o sistema de saúde – seja por meio de
hospitais ou centros de saúde controlados pela administração
pública (oferecido pelo Fundo Nacional de Saúde, também conhecido
como “Fonasa”) ou de clínicas e consultórios privados (chamadas
de “isapres”) – precisa ter um plano de saúde. Para utilizar o
“Fonasa”, o cidadão deve destinar 7% da sua renda mensal para
financiar seu seguro de saúde. Evidentemente, nem todos têm
dinheiro para custear esse modelo de plano de saúde e, por isso,
foram criadas quatro categorias diferentes dentro do próprio sistema
público. A chamada categoria A atende aqueles que não têm como
pagar mensalmente a “Fonasa”. Ou seja, para além da diferença
entre hospitais públicos e privados (que, dependendo do plano
“isapres”, têm melhores profissionais, equipamentos e
atendimento), o sistema de saúde público absorve a desigualdade
social que existe no país – hoje, segundo o Banco Mundial, 1% dos
chilenos mais ricos concentra 33% da renda nacional. Dessa forma,
como acontece na educação, muitos dos hospitais públicos ou
centros de saúde comunitários são administrados por entes
privados, fundações ou cooperativas. Isto significa um obstáculo –
quase instransponível – na hora de fazer com que a cobertura
alcance toda a população, especialmente os mais pobres.
“A
lógica de todas essas áreas – como aposentadoria, educação,
saúde, moradia – é privatizar e baixar a qualidade dos serviços
prestados pelo Estado para que terceiros, inclusive estrangeiros,
lucrem. Mais de 50% dos recursos investidos pelo país em saúde vão
para o sistema privado, sem considerar que a população, quase 80%,
utiliza os serviços públicos. Os contratos assinados são muito
lucrativos. Este é um sistema pensado para favorecer o mercado”,
conta Maurício.
“Há
poucos hospitais públicos e muitas clínicas privadas”, constata
Camila. “Em Valparaíso, por exemplo, só há um. Imagine: uma das
principais cidades do país com somente UM hospital público! Ao
invés de investir em leitos, o que poderia ter salvado a vida de
Amelia, o Estado compra leitos em clínicas privadas por um preço
três vezes maior. Diretores de hospitais públicos são acionistas
de clínicas privadas – e o diretor do Hospital Carlos Van Buren é
um exemplo disso. Para eles, não interessa mudar o sistema”,
denuncia a jovem mãe.
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