sábado, 29 de setembro de 2018

A pequena Amelia e o neoliberalismo na saúde do Chile




Como a morte de uma garota de dois anos despertou a consciência popular sobre a perversidade de um sistema em que o lucro está acima da vida

Saúde como mercadoria

O ditador Augusto Pinochet, que comandou com mãos de ferro o Chile entre 1973 e 1990, instalou um modelo neoliberal que sofreu poucas reformas nas últimas décadas. O sistema de saúde do país, que o caso Amelia expôs, é um exemplo: não é um direito, mas uma mercadoria.

Nossa Constituição é a Constituição da ditadura de Pinochet e não garante direitos básicos como saúde, educação ou aposentadoria”, explica Camila, didática, quando pergunto sobre o modelo que propiciou sua lastimável perda. “Nenhum dos diferentes presidentes que passaram por nossa história conseguiu mudá-la – até porque não lhes convém, são representantes de grandes grupos econômicos e políticos. Somente conseguimos acessar esses serviços por meio de empresas privadas, ou seja, a qualidade de serviços para um chileno depende do quanto ele pode pagar.

Durante todas essas décadas, reduziram a capacidade de atendimento do Estado para, assim, empresários serem contratados como prestadores de serviços para o Estado”, complementa ela.

O povo chileno, para utilizar o sistema de saúde – seja por meio de hospitais ou centros de saúde controlados pela administração pública (oferecido pelo Fundo Nacional de Saúde, também conhecido como “Fonasa”) ou de clínicas e consultórios privados (chamadas de “isapres”) – precisa ter um plano de saúde. Para utilizar o “Fonasa”, o cidadão deve destinar 7% da sua renda mensal para financiar seu seguro de saúde. Evidentemente, nem todos têm dinheiro para custear esse modelo de plano de saúde e, por isso, foram criadas quatro categorias diferentes dentro do próprio sistema público. A chamada categoria A atende aqueles que não têm como pagar mensalmente a “Fonasa”. Ou seja, para além da diferença entre hospitais públicos e privados (que, dependendo do plano “isapres”, têm melhores profissionais, equipamentos e atendimento), o sistema de saúde público absorve a desigualdade social que existe no país – hoje, segundo o Banco Mundial, 1% dos chilenos mais ricos concentra 33% da renda nacional. Dessa forma, como acontece na educação, muitos dos hospitais públicos ou centros de saúde comunitários são administrados por entes privados, fundações ou cooperativas. Isto significa um obstáculo – quase instransponível – na hora de fazer com que a cobertura alcance toda a população, especialmente os mais pobres.

A lógica de todas essas áreas – como aposentadoria, educação, saúde, moradia – é privatizar e baixar a qualidade dos serviços prestados pelo Estado para que terceiros, inclusive estrangeiros, lucrem. Mais de 50% dos recursos investidos pelo país em saúde vão para o sistema privado, sem considerar que a população, quase 80%, utiliza os serviços públicos. Os contratos assinados são muito lucrativos. Este é um sistema pensado para favorecer o mercado”, conta Maurício.

Há poucos hospitais públicos e muitas clínicas privadas”, constata Camila. “Em Valparaíso, por exemplo, só há um. Imagine: uma das principais cidades do país com somente UM hospital público! Ao invés de investir em leitos, o que poderia ter salvado a vida de Amelia, o Estado compra leitos em clínicas privadas por um preço três vezes maior. Diretores de hospitais públicos são acionistas de clínicas privadas – e o diretor do Hospital Carlos Van Buren é um exemplo disso. Para eles, não interessa mudar o sistema”, denuncia a jovem mãe.

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