quinta-feira, 7 de abril de 2016

Reposição das 35 horas: ministro diz que SNS vai precisar de mais 1500 enfermeiros e 800 auxiliares


Diz o ministro da Saúde, para quem não saiba, de nome Adalberto Campos Fernandes, que a "passagem" às 35 horas semanais no SNS vai "custar mais 27 milhões de euros este ano", a partir de Julho se fizermos fé na promessa do primeiro-ministro, para o ano será o dobro, como se a reposição das 35 horas não fosse uma questão de justiça e não uma benesse, já que também se tratou de um roubo cometido pelo anterior governo pafioso. Fica-se com a ideia, atentando-se às palavras do ministro e à propaganda de toda a imprensa de referência, que são os trabalhadores que estão a tirar dinheiro ao estado e contratar mais técnicos de saúde, no caso, enfermeiros e assistentes operacionais, até parece uma chatice, uma despesa inconveniente.

"O SNS vai precisar de contratar mais 1500 a 1700 enfermeiros e 800 a 1000 assistentes operacionais por causa da passagem às 35 horas semanais a partir de Junho (Julho)" - diz o ministro -, até parece que o SNS tem gente a mais, que o governo até despediu funcionários quando se passou das 35 para as 40 horas e que nem há gente desempregada, desde enfermeiros a outros técnicos de saúde. Fica-se com a impressão de que a política seguida por este governo pouco ou nada difere da do anterior em relação à saúde, e para não dizer a todos os outros sectores do estado. Nem se percebe, atendendo a que o próprio ministro já afirmara, aquando da discussão do Orçamento do Estado, que há dinheiro: "uma almofada de 35 milhões de euros para a necessidade de eventuais contratações."

Diz também o ministro, cujo nome deve ser desconhecido para mais de metade dos cidadãos portugueses devido talvez ao seu cinzentismo e inépcia, que "a dívida total do SNS no final de 2015 era de dois mil milhões" de euros, acrescentando que "é importante estabelecer metas, mas também lembrar o ponto de partida", esclarecendo também que "o défice mensal registado até ao momento é inferior ao estimado"; o que não é admiração para ninguém devido ao facto de se continuar a poupar onde geralmente não se deve, ou seja no farelo e não na farinha. Porque se poupa com o pessoal e em outras despesas essenciais para o tratamento dos doentes e não se acaba com o financiamento enviesado ao sector privado através dos exames complementares de diagnóstico (a questão das colonoscopias está outra vez na berra) e não se combate a corrupção acabando com os outsourcings e, em particular, com os ajustes directos que movimentam muitos milhões por debaixo da mesa?

O low profile ministro da Saúde, parece que a figura foi escolhida para não criar grandes anti-corpos como aconteceu com o anterior Macedo ou os do tempo de má-memória do governo socrático, dá uma no cravo e duas na ferradura quando se trata, por exemplo, do recurso às empresas de prestação de serviços médicos. Diz não concordar, porque até terá dado "indicações que privilegiem a contratação directa com contratação para os quadros, a termo ou prestações de serviços"; no entanto, não acaba com esta forma de recrutamento de técnicos, que mais não é que uma forma negreira e imoral de contratação de trabalhadores em que essas empresas ganham mais por cabeça do que os próprios trabalhadores contratados, e uma forma ilícita de enriquecimento para vários lados.

Esta forma mafiosa de contratação tem-se mantido e desenvolvido, e pelos vistos continuará já que o governo não caba com estas empresas, porque possibilita o enriquecimento dos seus acionistas como daqueles que acolitados na administração pública a elas recorrem, muitas vezes por ajuste directo. É a corrupção no seu melhor, fomentada pelo estado/governo, envolvendo situações caricatas como aquela que ocorreu aqui há alguns anos com empresa contratada para o efeito no Hospital dos Covões, ainda antes da integração no CHUC, que depois se veio a saber, devido a contestação das empresas preteridas, que era pertença de um médico e de um enfermeiro que ali trabalhavam; o resultado foi o negócio ter sido anulado, como não podia deixar de ser tal era o escândalo, e o enfermeiro, por sinal enfermeiro-chefe, foi transferido de serviço, ninguém foi para o olho da rua com justa causa, o que teria acontecido se fosse em empresa privada. É o fartar vilanagem.

"Não há dinheiro" ou "a almofada é pequena", ou "ainda não saímos da crise" quando se trata de pagar aos trabalhadores segundo os seus direitos, de parte dos quais foram esbulhados em passado recente, mas só para alguns trabalhadores, porque para outros com maior poder reivindicativo ou melhor posicionados no campo da influência política o dinheiro parece não faltar. Enquanto os concursos para progressão na carreira de enfermagem se encontram mais que congelados (uma hipotética abertura de concurso para Enfermeiro Principal foi ventilada em 2014, ainda no tempo do governo PSD/CDS-PP/Coelho/Portas, pelo SEP porque tanto aqueles partidos como a direcção sindical estavam ambos em processo de campanha pré-eleitoral, em 2015 todos deixaram de falar no assunto), já para os médicos as progressões vão de vento em popa. Foi publicado mais um concurso para Assistente Graduado Sénior (destinado apenas a Assistentes Graduados, portanto, já especialistas) na carreira médica; para quem não saiba, as funções são as mesmas, muda apenas a denominação da categoria e o salário, no mínimo, transitam para cerca de 4000 euros (os abrangidos pela 40h do acordo de 2012) ou cerca de 5000 euros (dedicação exclusiva). Esta é mais uma maneira de fazer dos Enfermeiros (ou os sindicatos) estúpidos, e não só.

Não se percebe, e insistimos no assunto, que para a reposição das 35 horas, um direito que é nosso graças à nossa luta, não nos foi dado de bandeja, seja necessário contratar mais 1500 enfermeiros e 800 assistentes operacionais, sabendo nós que as carências são antigas, não são de agora, que a carga horária é excessiva, ao mesmo tempo que a gestão de pessoal é mal feita em muitos hospitais, onde serviços têm uma falta gritante e noutros o pessoal até se estorva, porque predominam as cunhas e os interesses - realidade fácil de ver, por exemplo, nos HUC -, e pela inutilidade das 40 horas em serviços de internamento, o que poderá ser um paradoxo - é ver 5 e 6 assistentes operacionais a olhar uns para os outros sem fazer nada no período de sobreposição dos turnos entre as 16h e as 17h. Claro que se esperamos pela contratação do número apontado pelo ministro de novos funcionários, e conhecendo o tempo e as peripécias que duram os concursos, podemos esperar sentados que nem no fim do mandato do governo, partindo do princípio que irá durar os 4 anos, serão repostas as 35 horas.

Parece que os sindicatos ligados à FP já cantam vitória antes do tempo, seria melhor esperar para ver porque, e o tempo nos dará razão, com este governo PS/Costa/Fernandes parece que vamos ter mais do mesmo, só que envolto em embalagem de conversa fiada de "não concordo" mas "não há alternativa", ou seja, na prática, não muito diferente do anterior. Mas não é só a semana das 35 que está em causa, e o pagamento a 100% das horas? e os dias de férias que nos roubaram? Para não falar do que está para trás, principalmente de uma diminuição salarial bruta que vai muitas vezes para além dos 25%, e agora com a entrega do IRS fica bem visível a real dimensão do que nos é roubado! Não nos estão a dar nada, apenas se limitam a repor uma pequeníssima parte do que nos foi roubado. "Roubado" é a palavra certa.

Os dirigentes sindicais têm também uma outra palavra a dar-nos, porque é que nunca inscreveram no caderno reivindicativo a exclusividade dos enfermeiros: quem trabalha no sector público, não trabalha no sector privado? Abriam-se mais postos de trabalho, tal como acontece com a redução do horário semanal, e até se aumentava o salário por força da exclusividade. Será o "lapso" devido a muitos sindicalistas da nossa praça também acumularem, ou já terem acumulado, vários tachos? A exclusividade e o horário das 35 horas, que deveria ser até de 32 horas, permitirão combater a degradação do SNS, no sector público, e o desemprego no sector privado, e neste obrigaria a que as empresas investissem mais na modernização e no desenvolvimento tecnológico como forma de redução de custos e para uma melhor competitividade; querer competir na base de mão-de-obra intensiva e barata é o caminho mais eficaz para a falência, ainda que adiada. Mesmo trabalhando mais 63 horas do que a média europeia ou mais 305 horas anuais do que os trabalhadores alemães, com as 35 horas e com duas folgas semanais, os trabalhadores portugueses terão no geral melhor saúde física e mental... e melhores cuidados de saúde.

Quanto a isso não haja a menor dúvida!

Sem comentários: