sábado, 27 de fevereiro de 2016

"Somos um país de medrosos"


 
 Carlos Vaz Marques (no Público)
Quando há guerras e revoluções a depressão e os suicídios diminuem porque as pessoas se revoltam

«É provavelmente o nome mais respeitado da psicanálise em Portugal. António Coimbra de Matos, 86 anos, dedicou grande parte da sua actividade ao estudo da depressão. Admite que estaremos provavelmente a viver um período de depressão colectiva. Deitámos o país no divã do psicanalista.

Entra-se no consultório e dá-se de caras com uma curva do Douro. A vista assombrosa de São Leonardo de Galafura transporta-nos para uma espécie de tempo mítico. Pendurada na parede em frente à porta, aquela fotografia é uma janela para as origens de Coimbra de Matos. Ao longo de duas horas de conversa, o psiquiatra e psicanalista, nascido em 1929, evoca por diversas vezes episódios da infância para ilustrar o que diz. Embora se tenha afastado da importância que a teoria psicanalítica clássica dá ao passado. António Coimbra de Matos é um ávido consumidor da ideia de futuro. A papelada que se amontoa na secretária a que nos sentamos, um de cada lado, revela o tipo de organização muito pessoal de quem privilegia a actividade à arrumação obsessiva. Fuma incessantemente e concede-se a si próprio o tempo necessário para responder a cada pergunta. Como se fosse a primeira vez que algumas das questões se lhe colocassem.

Pode-se falar em estados de depressão colectiva?
Pode. A depressão é uma coisa individual mas há situações em que aparecem mais casos depressivos. Em momentos de crise. Como agora.

Diria que estamos a passar por uma depressão colectiva?
Há uma maior incidência de depressões. Em certos momentos podemos falar de uma depressão colectiva. Isso foi muito evidente naquele caso muito falado da France Telecom.

Em que houve uma série de suicídios de trabalhadores da empresa.
Sim. Isso foi muito noticiado.

Há pouco tempo foram divulgados números que revelam um aumento dos casos de suicídio em Portugal.
Sim. Há um trabalho célebre, um trabalho seminal, em que o pai da Sociologia, o Durkheim, verificou que quando há guerras e revoluções a depressão e os suicídios diminuem porque as pessoas se revoltam. Quando as pessoas não se revoltam, é que se suicidam; quando se sujeitam, quando não têm condições para protestar com mais veemência.

Na sua definição, segundo li, o que distingue a depressão normal da depressão patológica é justamente a capacidade de revolta.
Sim.

Em Portugal, não somos lá muito bons nisso, na capacidade de revolta colectiva, pois não?
Não, somos um bocado passivos. Os espanhóis são muito mais agressivos, revoltam-se muito mais.

Sim, nas imagens das manifestações em Espanha ou na Grécia vemos um grau de revolta que não identificamos em Portugal.
Isso é verdade. Noto isso na área científica. Aqui em Portugal, vamos a um congresso e se dizemos: "Não estou nada de acordo com isso" dizem-nos logo: "Foste muito agressivo com aquele tipo". Isso, num congresso internacional, é a coisa mais banal do mundo e ninguém leva a mal, nem diz que está a ser agredido.

Somos mais susceptíveis?
Sim. E mais delicados, mais medrosos. Somos um país de medrosos.

É a velha ideia dos brandos costumes?
Dos brandos costumes mas também da atitude do poder. O poder em Portugal sempre foi menos violento. Isso não facilita a revolta. O Salazar não matava, mandava prender. Franco matava mesmo e isso cria uma revolta maior.

Somos um bocado passivos. Somos um país de medrosos.»

Entrevista completa em Público

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A semana das 35 horas e as promessas do Costa



Em final de Janeiro, mais precisamente a 29, realizou-se uma greve geral dos trabalhadores da administração central do estado pela reposição imediata das 35 horas semanais, promovida pela CGTP e que não teve a adesão da UGT, a aderência dos trabalhadores ter-se-á situado pelos 73%, e em algumas das instituições e serviços de saúde terá ficado em menos.

No entanto, o Costa, o indivíduo que sucedeu ao Coelho de Massamá, continua a prometer devolver o que foi surripiado pelo governo anterior (sem aviso prévio e sem preocupação dos custos para as finanças públicas, note-se!), e que em princípio será restituído a partir de Julho, mas de forma gradual; informação semelhante é dada pelo ministro das Finanças, ou do Orçamento de agrado a Bruxelas, ressalvando contudo que não poderá haver aumento de custos; ou seja, trata-se de contabilidade para não prejudicar os beneficiários deste Orçamento e não para respeitar um direito do trabalhador, reconhecido por lei e conseguido à custa de muita luta.

Já aqui o dissemos, as 35 horas irão ser repostas mas a troco de outras cedências feitas pelos sindicatos, e sindicatos da CGTP, porque a UGT há muito que é uma agência do patronato para consumo dos trabalhadores sem grandes preocupações de disfarce, apesar de alguns sindicatos ligados à Frente Comum (CGTP) estejam com a veleidade de que as 35 horas terão de ser para todos os trabalhadores, e não para alguns, mesmo que isso leve a um adiamento da efectivação da reposição, é o que está a acontecer com o SEP (Sindicato dos Enfermeiros Portugueses) que, com esta estratégia, corre o risco de a semana das 35 horas jamais ser reposta para o sector, à semelhança do que aconteceu com a "nova" carreira que reconheceu a licenciatura, mas que criou uma situação pior do que a anterior; se há contratos de 40 horas na enfermagem, o SEP só se poderá queixar dele próprio, pôs-se a jeito.

Se prestarmos uma atenção um pouco mais cuidada às palavras de Arménio Carlos, é notória a preocupação de não atacar demasiado o governo e dar-lhe alguma folga quanto ao prazo para a restituição do que foi roubado aos trabalhadores da administração central, mantendo-se apenas a pressão das palavras como que um "não te esqueças do que prometeste", e nada de grandes ondas. Sabe-se que o maior "custo" quanto à reposição das 35 horas nem será bem na Saúde, mas mais na Escolas, onde será obrigatório a contratação de mais trabalhadores, nomeadamente assistentes operacionais, tal é a forte carência de pessoal neste sector, embora (daí o Costa falar "a partir de Julho"), haja grande desemprego e este governo até diz estar disposto a combater; pelos vistos, só em conversa.

Diga-se de passagem que a maior adesão à greve do dia 29 de Janeiro no sector da saúde, que bem conhecemos por dentro, foi entre os assistentes operacionais e outros trabalhadores não licenciados, muitos deles fazendo as 35 horas já que são de CIT (Contrato Individual de Trabalho) e não entre os enfermeiros e os médicos. Mas, atenção!, há outras questões tão ou mais importantes: reposição do pagamento integral das horas de qualidade, reposição dos 5 dias férias e descongelamento das carreiras.

Como é, ó Costa?!
 A semana das 35 horas, o Orçamento e as promessas do Costa