terça-feira, 1 de abril de 2014

Um SNS e uma Saúde de rastos



Nos últimos tempos a Saúde tem sido notícia pelas piores razões e, em particular, o SNS em consequência da política de “poupança” levada a cabo por este governo de coligação dos dois partidos mais à direita do espectro partidário. A mais recente notícia refere-se ao Hospital das Caldas da Rainha, onde – segundo a denúncia feita pela Ordem dos Enfermeiros – dezenas de doentes ficam em macas nos corredores do serviço de urgência à espera de ser atendidos ou como já internados devido à sobrelotação das enfermarias.

Este Hospital já tinha sido notícia há pouco mais de um mês pela aventura (e desventura) de um doente com septicémia, devido a complicação de operação a uma neoplasia, que andou de hospital em hospital à procura de vaga em unidade de cuidados intensivos, acabando por morrer, pela razão de que o Hospital das Caldas não possui aquele tipo de serviço.

Uma das soluções para a falta de capacidade do Hospital das Caldas seria enviar os doentes para os hospitais de Torres Vedra e de Peniche, com a vantagem da proximidade geográfica e pertencerem à mesma unidade, o Centro Hospitalar do Oeste (CHO), contudo estes hospitais têm diminuído o número de camas, na lógica da política do governo de “racionalizar” meios e custos, deixando assim espaço e mercado para a medicina privada, para quem já não existe limites de rácios de camas e de serviços, nem apoios financeiros do próprio Estado.

A degradação dos cuidados de Saúde, em geral, e do Serviço Público, em particular, não tem parado de se agravar desde que foi decretada a crise em Portugal. São os próprios doentes que, devido à situação de desemprego ou de baixos rendimentos, se recusam a ser transplantados, fazendo aumentar as despesas para o SNS. E por que é que muitos doentes se recusam o transplante de um rim?, pela simples razão de que depois terão de suportar à sua custa as despesas de transportes e dos medicamentos, que não são tão baratos como isso, por não serem disponibilizados a tempo e a horas por muitos dos hospitais públicos.

Esta lógica de fazer da Saúde um negócio e do SNS estar cada vez mais limitado na sua capacidade de resposta leva a que alguns portugueses, mais endinheirados e com menor limiar de resistência à frustração, recorram ao expediente de compra de rins no estrangeiro, fazendo o transplante em países como a China e o Paquistão e correndo riscos acrescidos para a sua saúde. Nos últimos 5 anos, segundo o relatado pela Sociedade Portuguesa de Transplantação, terá havido cerca de 10 casos, envolvendo compras até aos 60 mil euros, embora seja formalmente proibido este tipo de negócio naqueles países. Mas a justiça é branda e as autoridades são cegas e ninguém se espante se em Portugal, alguma vez, acontecer algo parecido já que houve notícia, entre nós, de contrabando de sangue e derivados e… para órgãos será apenas um pequeno passo.

Ao mesmo tempo que, e ao contrário do que apregoa o ministro-gestor da Saúde, aumenta a despesa com a Saúde, já que temos de englobar o dinheiro canalizado para as PPP’s do sector e de outras ajudas indirectas ao negócio privado da saúde (doença), sobe exponencialmente o estado de degradação do da Saúde dos portuguese;, o que, a médio e longo prazo, fará disparar os custos com os cuidados de saúde em geral, do SNS, e dos próprios utentes que, por sua vez, têm cada menos dinheiro para comer e para as despesas mínimas de sobrevivência. E vários indicadores apontam para o pior estado de Saúde da grande maioria do povo português e dos seus filhos, fazendo encarecer a despesa na saúde a longo prazo e com prejuízo para a economia, já que tanto falam no crescimento económico e na ultrapassagem da crise.

E iremos citar dois indicadores preocupantes: aumento da percentagem de trabalhadores em burnout e aumento de casos de depressão e de angústia infantil.

A percentagem de trabalhadores que se encontram num estado de esgotamento psicológico (burnout) aumentou de 9% para 15%, entre 2008 e 2013, sendo o máximo aceitável 9 a 10% - segundo estudo da Associação Portuguesa de Psicologia da Saúde Ocupacional (APPSO). Do mesmo modo, as disfuncionalidades emocionais dos trabalhadores estão a aumentar drasticamente: enquanto, em 2008, a percentagem dos trabalhadores inquiridos que afirmavam estar a enfrentar situações de stress nos seus locais de trabalho era 36%, em 2013, era já de 62%. As razões apontadas são degradação das condições de trabalho, ameaça de despedimento e precariedade laboral e cortes salariais. Indubitavelmente que a degradação do estado de saúde e de bem-estar acompanha de perto a degradação económica dos trabalhadores.

Em outro campo, o da saúde infantil, o estado de bem-estar dos propalados “homens de amanhã” degrada-se rapidamente e de forma notória. O aumento de casos de angústia e depressão infantil reveste aspectos de grande gravidade, devido às dificuldades “económicas (e sociais) das famílias” e de falta “ de apoios sociais e programas activos para o mercado de trabalho” – na opinião do presidente da Comissão da Saúde da Mulher, Criança e Adolescente, “Portugal arrisca-se a ser um país de crianças tristes”. E mais: “Ficamos perplexos com as faixas etárias das crianças em que se detectam os cada vez mais frequentes problemas de ansiedade, angústias e depressões, algumas com oito, nove, dez anos”. O governo PSD/CDS-PP não só está a empobrecer o povo português de forma rápida e custe o que custar como está a transformar o país num país sem futuro – em 2060, prevê-se que haja menos 2 milhões de portugueses devido à baixa natalidade que, por sua vez, decorre da miséria económica do povo e da falta de perspectivas para o futuro (na lógica governamental e malthusiana de “os jovens que emigrem, os velhos que morram depressa” e, de preferência, antes de receber a reforma).

Assiste-se a uma estratégia delineada de primeiro a economia dos ricos, segundo a economia dos ricos, terceiro a economia dos ricos, depois, e logo se verá, vem a pessoa. Dá-se prioridade absoluta a tudo o que possa aumentar o património e a conta bancária de uma punhado de indivíduos, o discurso de “poupar” e de “combater o desperdício” porque “não há dinheiro” não passa de mera justificação bacoca para entreter o eleitorado. Enquanto falta dinheiro para o SNS, e na carteira do povo português, não falta dinheiro para os privados; se, desde 2000, encerraram 249 extensões de saúde, serviços de urgência e foram reduzidas cerca de 2500 camas nos hospitais públicos, os serviços privados têm nascido como cogumelos, muitas vezes em paredes meias com os públicos, numa afrontosa e desleal concorrência: Coimbra talvez seja o melhor exemplo. A verdadeira política e intenções do governo estão bem explícitas nos gastos da Administração Central de Saúde que, segundo auditoria do Tribunal de Contas em relação ao ano de 2011, estão bem longe de uma “favorável fiabilidade”; ou seja, este organismo de gestão do SNS dá o exemplo pela negativa, gastando à tripa forra, como estivéssemos em tempo de vacas gordas, ao nível do recrutamento do pessoal (os ditos “boys”), do uso das viaturas, do incumprimento dos princípios contabilísticos e orçamentais e na violação das regras de despesa pública. É fartar vilanagem! Entretanto, o povo português confronta-se todos os dias com o desemprego, os salários de miséria, as pensões de fome e… com pior Saúde.

Notícia e foto em Gazeta das Caldas

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