segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Disputa entre sindicatos



As 40 horas na enfermagem, bem como na restante função pública que não é objecto de excepção (será bom perceber por que há excepções entre os trabalhadores do estado quanto a este ponto, bem como a outros), devemo-las agradecer a este governo fora-da-lei, que há muito deveria ter sido demitido pelo PR Cavaco, e, em segunda linha, à falta de visão dos sindicatos (ou direcções sindicais), contudo, agora, depois de praticamente facto consumado, temos de assistir ao que parece ser uma disputa entre os sindicatos ligados à UGT (cujo responsável já opinou sobre a maior “sensibilidade” aos problemas dos trabalhadores manifestada pelo governo pós-remodelação) e os afectos à CGTP sobre quem defende na realidade os enfermeiros.

Acaba-se de saber que o Sindicato dos Enfermeiros e o Sindicato Independente dos Profissionais de Enfermagem, que constituem uma dita Federação Nacional de Sindicatos de Enfermagem (FENSE), entregaram uma providência cautelar no Tribunal Administrativo do Porto contra o horário das 40 horas que foi aceite, ficando então este suspenso. Mas – atenção! – só irá abranger entre 15 mil a 20 mil dos enfermeiros a trabalhar no sector estado, ou seja, um pouco menos de metade da totalidade dos enfermeiros, que são para aí uns 40 mil. Os outros ficarão de fora, já que ou não são sindicalizados ou estão na concorrência do SEP e do SERAM.

O governo terá agora 15 dias para contra-alegar e só depois haverá decisão definitiva. E as razões invocadas foram: a existência de uma convenção da OIT, que foi aceite por Portugal em 1980, que impõe horários de trabalho curtos e pausas suficientemente longas para descanso para evitar erros cometidos sobre os doentes por enfermeiros sobrecarregados de trabalho; e haver discriminação entre enfermeiros, uns que trabalham já 40 horas (e pelos vistos não caem para o lado por inanição) mas ganham mais 200 euros e outros que a partir de agora irão ver aumentado o seu horário semanal sem nada receber – anticonstitucional na medida em que é ferido o princípio de salário igual para trabalho igual.

O segundo argumento possui alguma base racional e até legal, embora se saiba que em Portugal este princípio nunca foi respeitado, basta olhar para as diferenças salariais entre os géneros, com as mulheres a auferir, em média, menos 20% de salário e suportando condições de trabalho mais duras. O primeiro argumento, “cansaço dos enfermeiros” é para rir se olharmos para a grande maioria dos enfermeiros que nos grandes polos urbanos possui dois e mais empregos, ocupando postos de trabalho que poderiam ser destinados aos enfermeiros desempregados. Ainda estamos lembrados da disputa entre enfermeiros pelo horário de tempo acrescido e da autêntica guerra entre os enfermeiros-chefes por este horário, não porque estes o fizessem na prática, mas pelo aumento substancial do salário ao fim do mês e do tempo acrescido, isso sim, para a reforma. Nunca os sindicatos se preocuparam em lutar a sério pelo regime de exclusividade na função pública, era mais uma chatice e nem era de interesse e de agrado de muitos dirigentes sindicais que também acumularam e vão acumulando vários tachos. Este é mais outro exemplo de como, à semelhança da carreira, não se acautelou os interesses monetários dos enfermeiros em tempo útil, ao contrário do que fez a classe e os sindicatos dos médicos.

É por estas e por outras que se vai acumulando o descrédito sobre este tipo de sindicalismo.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

As 40 horas na Função Pública



na rede
Se alguém, aqui há uns anos atrás, levantasse a hipótese de que agora, em 2013 e em plena democracia dos cravos, os trabalhadores da função pública iriam fazer 40 horas semanais, os nossos sindicalistas ter-se-iam levantado iradamente revoltados e ameaçado com greves e lutas infindáveis. Contudo, a lei (Proposta de Lei 153/XII) foi aprovada pela Assembleia da República, com os votos da maioria PSD/CDS-PP, e promulgada pelo PR (Lei 68/2013) que não teve dúvidas quanto á sua constitucionalidade – ao contrário do que aconteceu com a lei da Requalificação ou, melhor dizendo, do despedimento puro e simples – e, perante tal, a resposta dos sindicatos foi ameaçar em levar a questão para o Tribunal Europeu dos Direitos do Cidadão, interpor providência cautelar na justiça portuguesa e pedir aos grupos parlamentares dos partidos da oposição para suscitar a sua apreciação pelo Tribunal Constitucional (TC). A luta, as greves, a revolta nos locais de trabalho, a solidariedade entre os trabalhadores foram substituídas pela via judicial e reformista. É a desistência, é a claudicação, é a cobardia política. É a derrota antecipada.

Se houve algum suporte legislativo para que o TC considerasse a lei da Requalificação inconstitucional, será contudo mais difícil encontrar suporte semelhante para tomar a mesma posição quanto à lei que se destina a aumentar o horário dos trabalhadores do estado e que irá ter, a prazo, o mesmo efeito, que é o do despedimento. A “requalificação” representaria um despedimento abusivo, assim a lei é inconstitucional mais pela forma como os despedimentos seriam feitos do que pelo despedimento em si; ao “requalificar”, o estado estava a enganar os trabalhadores e, de forma arbitrária e abusiva, para além de ilusória, estaria a apontar a porta da rua. A causa invocada não seria a “justa causa”, ao contrário do que irá acontecer com o horário das 40 horas, cuja razão apresentada pelo governo pode parecer “justa”, porque estamos em crise, os trabalhadores do sector privado trabalham mais horas, são mais sacrificados, e, como chegou a afirmar o ministro da Saúde, irá disponibilizar mais trabalhadores que poderão preencher vagas em aberto, nomeadamente em sectores ou locais mais carenciados e sentidos pelas populações como necessidade. Conduzir a questão pela via do legalismo, para além de capitulação, é levar à sua mais que certa não solução, que será repor o horário das 35 horas e mais ainda: o estado deveria dar o exemplo no combate ao desemprego reduzindo os horários na função pública, porque há vários horários tal como no privado, abrindo assim mais vagas especialmente para pessoal técnico. No entanto, o estado, além de cumprir caninamente as imposições da troika, é e sempre foi um mau patrão.

No sector privado, a lei estabelece um máximo de 40 horas e não um horário único de 40 horas, embora na prática os trabalhadores em Portugal trabalhem mais de 40 horas, mais precisamente 41,3 horas semanais; ou seja, Portugal é o segundo país, entre os 27 estados membros, onde se trabalha maior número de horas. E, por esta lógica, a intenção é, ao contrário do que se apregoa de nivelar mais justamente o público pelo privado, aumentar o horário de trabalho em Portugal e simultaneamente baixar o salário. Para além dos cortes salariais e do aumento dos impostos, os trabalhadores portugueses viram os seus salários descer, sendo três vezes superior o número de trabalhadores que viram os seus salários reduzidos por cortes impostos pelos patrões em relação ao fornecido pelo governo ao FMI. O aumento do horário dos trabalhadores da função pública é a diminuição real do salário, na medida em que trabalhando mais horas recebem o mesmo salário, e é o aumento de disponíveis para despedir, seja por “rescisão amigável”, seja pela transferência para postos e locais de trabalho ingratos que forçarão o trabalhador a despedir-se ou a pedir a reforma antecipada e dramaticamente penalizada. O resultado acabará por ser o mesmo da lei da dita “requalificação”, só que provar a sua ilegalidade e inconstitucionalidade torna-se mais difícil, atendendo também que se trata de uma decisão abertamente política. E na política, os sindicatos, bem como os partidos da oposição, saem derrotados. O problema é que a derrota é essencialmente dos trabalhadores, dos trabalhadores do estado, num primeiro tempo, e dos trabalhadores do privado, num segundo e em termos mais globais. A solidariedade entre trabalhadores é, uma vez mais, esfrangalhada pelos próprios sindicatos (ou pelas direcções sindicais), que deveriam ser os primeiros a praticá-la e a fomentá-la. Tem sido timbre dos partidos de esquerda e dos sindicatos a eles associados (CGTP e UGT) conduzir a luta para o terreno que lhes é menos favorável, dando de mão beijada o ouro ao bandido. E tanto é ladrão quem vai à vinha, bem como quem fica à porta.

Retirado daqui