sábado, 25 de fevereiro de 2012

Combater o ACTA é defender a democratização do conhecimento

Lisboa- Manifestantes contra o ACTA

Manifestações, um pouco por toda a Europa, têm ocorrido, nos últimos dias, contra o Tratado de Comércio Anti-Contrafacção, conhecido como ACTA (Anti-Counterfeiting Trade Agreement). A ideia por parte dos governos e das empresas monopolistas, cujos interesses esses governos são os lídimos defensores, é que ele se torne o padrão mundial para a proteção de direito de propriedade intelectual, que vai da música a medicamentos.

O ACTA era originalmente destinado a acabar com o comércio de perigosos medicamentos falsificados. Depois de longas negociações, que em grande parte correram em segredo, o tratado agora está pronto para a aprovação dos Estados Unidos, Japão, Austrália e União Europeia.

Sob pressão dos Estados Unidos, o ACTA foi expandido para incluir o combate à pirataria online. Os protestos são principalmente direcionados à ameaça a uma internet aberta, contra a proibição de downloads e a possibilidade de processos contra provedores, buscadores e usuários.

Monopólio

Mas as consequências são mais abrangentes, alertam organizações como a fundação IDA. Esta ONG trabalha pela distribuição de remédios de qualidade a preços acessíveis em países em desenvolvimento. "O ACTA só beneficia a indústria farmacêutica", diz o diretor-geral da IDA, Edwin de Voogd. Além disso, o tratado vai contra acordos anteriores.

"O comércio de medicamentos que, por um outro acordo, vão legalmente de um produtor na Índia ou na China para um país pobre, poderá ser bloqueado por este tratado. Só para proteger os interesses da indústria farmacêutica e seus direitos de patente, e com isso a consequente posição de monopólio."

No âmbito da Organização Mundial da Saúde, concordou-se que países (principalmente Índia e China), sob determinadas condições, poderiam produzir medicamentos genéricos e exportar para países em desenvolvimento, como remédios para a malária e a Aids, mesmo que a patente ainda não tenha expirado. As empresas farmacêuticas deram permissão para isso. Pílulas duvidosas

Paralelamente a este comércio legal existe um circuito muito mais sombrio. Países em desenvolvimento são inundados com pílulas duvidosas, pós e poções que não contribuem em nada para a saúde pública. Países ricos também passaram por esta experiência quando o Viagra falso vindo da China apareceu na internet. "Precisamos do tratado para combater estas práticas", diz Paul Wouters, da Nefarma, uma associação que trabalha no desenvolvimento medicamentos inovadores na Holanda.

"Se você não fica atento, existe a possibilidade de que medicamentos falsos entrem no circuito normal. Não estamos falando só de falsificações em que o produto é bom, mas não vem da fábrica certa. Em muitos casos, o produto não é bom e às vezes é até feito com ingredientes que podem ser fatais para os pacientes. Para controlar isso, a proteção da propriedade intelectual é muito importante."

Mercado negro

Wouters reconhece que isso representa muito dinheiro para a indústria farmacêutica e que o ACTA é necessário para assegurar este lucro. O desenvolvimento de novos medicamentos custa milhões que a indústria recupera com as patentes. E há problemas quando fabricantes e países destinatários começam a vender no ocidente medicamentos que vêm da Índia, por exemplo.

"Infelizmente, temos que constatar isso. Nos países em desenvolvimento também há pessoas sem escrúpulos que revendem medicamentos que são para pessoas de lá. Infelizmente isso é uma verdade para a qual não podemos fechar os olhos."

Wouters pede mais esforços por parte das agências de ajuda humanitária. "Elas têm que cuidar para ter uma boa infraestrutura e evitar que estes remédios acabem em países ricos."

Alfândega rígida

Oitenta por cento dos remédios baratos para HIV e Aids que a organização Médicos Sem Fronteiras distribui a pacientes na África vêm da Índia. Mas a proteção de patente sob o ACTA põe esta produção e comércio em risco, diz Aziz Rehman, da Médicos Sem Fronteiras.

"O ACTA fornece regras adicionais sob as quais a importação destes medicamentos pode ser interrompida. As autoridades alfandegárias em diferentes países signatários do ACTA podem barrar medicamentos com base em suspeita. Podem dizer que as drogas que estão sendo importadas da Índia aparentemente violam certos direitos de patente ou marca registrada e, com base nestas alegações, podem barrar e apreender os medicamentos em seu país."

Segundo Rehman, pode levar semanas antes que um lote seja liberado. Às vezes as autoridades nem esperam uma investigação. Os medicamentos são diretamente destruídos. Alguns fabricantes indianos já consideram a possibilidade de parar a produção. A organização Médicos Sem Fronteiras acredita que, na prática, desaparecerão as possibilidades de desenvolver medicamentos baratos e bons para países pobres. Ironicamente, isso significa que os remédios ficarão mais caros, e preços altos fazem com que a produção de medicamentos falsificados fique fora de controle.

Segredo

O texto do ACTA foi negociado durante anos a portas fechadas entre Japão, Estados Unidos e União Europeia. Inclusive fora da Organização Mundial do Comércio. Organizações sociais também foram mantidas de fora, enquanto grandes empresas foram convidadas a opinar. Países em desenvolvimento também foram excluídos do diálogo. Mas ao que parece, o secretismo agora se volta contra os negociadores.

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