segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Os trabalhadores estão na rua!


No sábado mais de 150 mil cidadãos saíram à rua mostrando a sua indignação (e REVOLTA) pelas medidas gravosas contidas na proposta de Orçamento do Estado para 2012. As palavras de ordem foram variadas: “não somos mercadoria nas mãos dos banqueiros”, “a precariedade não é inevitável”, “eles é que vivem acima das suas possibilidades”, “austeridade não é solução”, “contra o capital”, “não esbanjamos, não pagamos”, “nova geração, novo Abril”, “troika fora de Portugal”, “façamos como a Grécia, greve geral”, “suspensão do pagamento da dívida”, etc.

As centrais sindicais estiveram caladas e só quando os trabalhadores saíram à rua é que tentam acordar uma data para a greve geral, que esperamos que não seja como a última que se limitou a marcar o ponto. E onde está o SEP durante este tempo de luta se há milhares de enfermeiros desempregados, precários ou obrigados a trabalhar com horários prolongados e a ganhar abaixo do estipulado pela lei? Carvalho da Silva, e temos que fazer justiça, esteve presente.

À dívida, de que tanto se fala e que é apresentada como a razão principal das medidas apresentadas pelo governo, deve ser feita uma auditoria pública e independente, e se se chegar à conclusão de que é ilegítima, então, não deve ser paga; e até lá a suspensão do pagamento deve ser imediata. No entanto, sabemos que, durante o dia de Sábado, o PCP mandou os militantes para as sedes a fazer reuniões impedindo-os de se juntar às manifestações, e foi onde estiveram os principais dirigentes do SEP, pela simples razão de que este partido é a favor do pagamento de uma dívida que não foi contraída pelos trabalhadores nem reverteu a seu favor.

Mas também fazemos a pergunta: e os outros dirigentes sindicais, dos sindicatos afectos à UGT, estiveram em casa a rezar para que este governo se aguente os 4 anos? Olhem que a história diz-nos que os governos de coligação em Portugal nunca chegam ao fim da legislatura. E a este devemos fazer os possíveis para que tenha uma vida bem breve.

Com outros dirigentes sindicais que desde os PECs dos governos anteriores que a luta já se tinha iniciado de forma contínua e que, agora com estas medidas, estaríamos há muito na rua e na ocupação dos locais de trabalho numa autêntica sublevação. Mas parece que estão em catalepsia e, por outro lado, muitos trabalhadores da administração pública, onde se inclui a grande maioria dos enfermeiros, parecem que ainda não interiorizam a gravidade das medidas agora anunciadas:

corte (roubo) de 5% dos salários que passam deste ano para o ano que vem (os trabalhadores e pensionistas irão pagar ainda este ano mais 800 milhões € de IRS); corte (roubo) de parte do subsídio de natal este ano; corte (roubo) dos subsídios de férias e de natal em 2012 e 2013 (que se manterão no futuro tal como os 5% deste ano), que serão 952,6 milhões por ano acrescidos à perda de 14% do nosso poder de compra (no final cerca de 25%); corte (roubo) dos mesmos subsídios aos pensionistas (1.682 milhões euros por ano); mais meia hora de trabalho por dia aos trabalhadores do sector privado (7.002.681.382 de euros). Tudo para aumentar os lucros dos patrões e recapitalizar a banca, que já recebe 12 mil milhões e que iremos também pagar.

Com sindicatos a sério, defensores dos trabalhadores, já teríamos uma revolta social também a sério. É pela prática que se afere do verdadeiro posicionamento de quem se diz defensor dos trabalhadores. E os factos demonstram que estes dirigentes sindicais (de todos os sindicatos dos enfermeiros) não estão na barricada dos trabalhadores que dizem representar.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

manifesto - 15 de Outubro


Em adesão ao protesto internacional convocado pelos movimentos 'indignados' e 'democracia real ya', em Espanha, ocorrerá, no Porto (e em mais seis cidades), uma manifestação sob o tema 'a democracia sai à rua', no dia 15 de Outubro de 2011. As razões que nos levam para a rua são muitas e diferentes, de pessoa para pessoa, de país para país - não querendo fechar o protesto a outras exigências de liberdade e de democracia, mas para que se saiba porque saimos para a rua, tentámos, entre os que estão a ajudar na organização e na divulgação do 15 de outubro, encontrar as reivindicações que nos são comuns - entre nós e relativamente aos outros gritos das outras praças, nas ruas de todo o mundo:

Dos EUA a Bruxelas, da Grécia à Bolívia, da Espanha à Tunísia, a crise do capitalismo acentua-se. Os causadores da crise impõem as receitas para a sua superação: transferir fundos públicos para entidades financeiras privadas e, enquanto isso, fazer-nos pagar a factura através de planos de pretenso resgate. Na UE, os ataques dos mercados financeiros sobre as dívidas soberanas chantageiam governos cobardes e sequestram parlamentos, que adoptam medidas injustas, de costas voltadas para os seus povos. As instituições europeias, longe de tomar decisões políticas firmes frente aos ataques dos mercados financeiros, alinham com eles.

Desde o começo desta crise assistimos à tentativa de conversão de dívida privada em dívida pública, num exemplo de nacionalização dos prejuízos, após terem sido privatizados os lucros. Os altos juros impostos ao financiamento dos nossos países não derivam de nenhuma dúvida sobre a nossa solvência, mas sim das manobras especulativas que as grandes corporações financeiras, em conivência com as agências de rating, realizam para se enriquecerem. Os cortes económicos vêm acompanhados de restrições às liberdades democráticas - entre elas, as medidas de controlo sobre a livre circulação dos europeus na UE e a expulsão das populações migrantes. Apenas os capitais especulativos têm as fronteiras abertas. Estamos submetidos a uma mentira colectiva.

A dívida privada é bem maior que a dívida pública e a crise deve-se a um processo de desindustrialização e de políticas irresponsáveis dos sucessivos governos e não a um povo que "vive acima das suas possibilidades" – o povo, esse, vê diariamente os seus direitos e património agredidos. Pelo contrário, o sector privado financeiro - maior beneficiário da especulação - em vez de lhe aplicarem medidas de austeridade, vê o seu regime de excepção erigido. As políticas de ajuste estrutural que se estão a implementar não nos vão tirar da crise – vão aprofundá-la. Arrastam-nos a uma situação limite que implica resgates aos bancos credores, resgates esses que são na realidade sequestros da nossa liberdade e dos nossos direitos, das nossas economias familiares e do nosso património público e comum. É preciso indignarmo-nos e revoltarmo-nos ante semelhantes abusos de poder.

Em Portugal, foi imposto como única saída o memorando da troika – têm-nos dito que os cortes, a austeridade e os novos impostos à população são sacrifícios necessários para fazer o país sair da crise e para fazer diminuir a dívida. Estão a mentir! A cada dia tomam novas medidas, cortam ou congelam salários, o desemprego dispara, as pessoas emigram. E a dívida não pára de aumentar, porque os novos empréstimos destinam-se a pagar os enormes juros aos credores – o déficit dos países do sul europeu torna-se o lucro dos bancos dos países ricos do norte. Destroem a nossa economia para vender a terra e os bens públicos a preço de saldo.

Não são os salários e as pensões os responsáveis pelo crescer da dívida. Os responsáveis são as transferências de capital público para o sector financeiro, a especulação bolsista e as grandes corporações e empresas que não pagam impostos. Precisamos de incentivos à criação de emprego e da subida do salário mínimo (em Portugal o salário mínimo são 485€, e desde 2006 duplicou o número de trabalhadores que ganham apenas o salário mínimo) para sairmos do ciclo recessivo.

Por isso, nós dizemos:

- retirem o memorando. vão embora. não queremos o governo do FMI e da troika!
- nacionalização da banca – com os planos de resgate, o estado tem pago à banca para especular
- abram as contas da dívida – queremos saber para onde foi o dinheiro
- não ao pagamento da dívida ilegítima. esta dívida não é nossa – não devemos nada, não vendemos nada, não vamos pagar nada!
- queremos ver redistribuídas radicalmente as riquezas e a política fiscal mudada, para fazer pagar mais a quem mais tem: aos banqueiros, ao capital e aos que não pagam impostos.
- queremos o controlo popular democrático sobre a economia e a produção.
- não queremos a privatização da água, nem os aumentos nos preços dos transportes públicos, nem o aumento do IVA na electricidade e no gás.
- queremos trabalho com direitos, zero precários na função pública (em Portugal o maior contratador de precários é o estado), a fiscalização efectiva do cumprimento das leis laborais e o aumento do salário mínimo.
- queremos ver assegurados gratuitamente e com qualidade os direitos fundamentais: saúde, educação, justiça.
- queremos o fim dos ajustes directos na administração pública e transparência nos concursos para admissão de pessoal, bem como nas obras e aquisições do estado.
- queremos mais democracia:
- queremos a eleição directa de todos os representantes cargos públicos, políticos e económicos: dos responsáveis pelo Banco de Portugal ao Banco Central Europeu, da Comissão Europeia ao Procurador Geral da República
- queremos mais transparência no processo democrático: que os partidos apresentem a eleições, não somente os programas mas também as equipas governativas propostas à votação.
- queremos mandatos revogáveis nos cargos públicos - os representantes são eleitos para cumprirem um programa, pelo que queremos que seja criada uma forma democrática para revogação de mandato em caso de incumprimento do mesmo programa;

Partilha esta informação, participa na divulgação do protesto. (http://15out-porto.blogspot.com/ )
Vem para a rua fazer ouvir a tua voz. Dia 15, às 15h, em Porto, Lisboa, Angra do Heroísmo, Évora, Faro, Braga, Coimbra.

Cortar, cortar… é a palavra de ordem


O Orçamento do Estado para 2012, que vai ser aprovado em Conselho de Ministros extraordinário na próxima segunda-feira, prevê um corte de 1.400 milhões de euros só nos ministérios da Saúde e Educação. E «o orçamento da Saúde é o que vai levar o maior corte: são menos 800 milhões do que no ano passado». Segundo o jornal "Económico”.

O ministro já fez saber que os cortes serão nas horas extraordinárias, meios de diagnósticos, comparticipação de medicamentos e desperdícios. «Só no Serviço Nacional de Saúde o Governo pretende cortar cerca de 600 milhões de euros.» Os cortes, segundo o ministro, serão nas ditas “gorduras do Estado”. Mas, na realidade, não será bem o caso porque os contratos público privados na área da saúde vão de vento em popa, com claro prejuízo para os cofres públicos, e não se consegue esconder que a se continua com a destruição do SNS, através da sua desorçamentação, para se entregar grande parte dos cuidados de saúde aos privados.

Os partidos da oposição vieram logo a terreiro condenar estes cortes cegos na saúde, o PCP através de intervenção contundente na Assembleia da República, e o PS, pela voz de Carlos Zorrinho, contrapôs que essa "não é a filosofia do ajustamento estrutural preconizado pelo PS", esquecendo que os seus governos, liderados por Sócrates, foram os que mais fizeram pelo desmantelamento do SNS, com o encerramento de serviços de urgência e das maternidades, congelamento das progressões nas carreiras dos trabalhadores do sector, pelos cortes salariais e pela vergonhosa carreira dos enfermeiros, cujos salários têm vindo a encolher desde há sete/oito anos.

O PS já disse que irá aprovar o Orçamento do Estado para 2012 porque está em causa o dito “interesse nacional”.

O “interesse nacional” irá estar bem acautelado no próximo orçamento, na perspectiva dos partidos que assinaram o memorando de entendimento com a troika, com aumento dos impostos, fim das deduções em sede de IRS, actualização das taxas moderadores, mais cortes salariais nos trabalhadores do estado, congelamento das pensões de reforma, privatização das empresas públicas (CTT e transportes serão as primeiras) com despedimento de centenas de trabalhadores, revisão da legislação laboral, onde se inclui aumento dos horários de trabalho, mais facilidade de despedimentos, mais flexibilidade, mais precariedade, etc.

Nós, enfermeiros, estamos já apanhar por tabela, com mais precariedade, salários nominais diminuídos, mais flexibilidade e uma carreira profissional sem futuro. Encontram-se mais que reunidas as condições para nos revoltarmos. Devemos seguir a desobediência civil e prepararmos para enviar este governo, o mais depressa possível, pelo caminho do anterior, antes que fiquemos na mais completa miséria.

PS: 12 mil milhões de euros vão directamente para os bolsos dos banqueiros, que declaram milhões de lucros por dia, e o governo prepara-se para lhes enfiar mais 35 mil milhões por meio de avales. E o governo grego, que diz não ter dinheiro para pagar os salários aos funcionários públicos, já tem alguns milhares de milhões para comprar tanques para defender os bancos da revolta do povo. E esta, hei!

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Os que se valem da profissão


A notícia recente que está a chocar a opinião pública e que tem sido aproveitada por todos os canais de televisão nos seus programas de entretenimento do Zé Povinho, género Você na TV! do Goucha, é a do polícia que, valendo-se da profissão e contando com a cumplicidade de um colega, montou uma cilada a um vizinho com quem estava em conflito enfiando-o na prisão durante cinco meses, agora está a contas com a justiça e com procedimento disciplinar dentro da PSP. E iremos lá ver se será castigado pelo que fez, como aconteceria se tratasse de um simples e qualquer cidadão!

Situação que se pode comparar, de certo modo, com a de médicos que, aproveitando-se da profissão e do estatuto social privilegiado, vão cometendo algumas tropelias: há tempos tivemos o psiquiatra que violou uma doente grávida no consultório; agora é o caso do médico neurocirurgião que espreitou as colegas e as enfermeiras na casa de banho, utilizando um sistema de microcâmara controlado à distância; e de outro clínico, cirurgião vascular, que acaba de ser acusado pelo Ministério Público de 15 crimes de abuso sexual de pessoa internada, em concurso com a prática de 15 crimes de coação sexual, segundo o divulgado pela Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa.
No caso do neurocirurgião do Hospital de Viseu, a imprensa já referiu que é cidadão brasileiro, dando a entender que se fosse português a coisa não teria acontecido. No segundo caso, a prática do crime foi continuada ao longo de alguns anos, entre 2005 e 2010, praticando o médico atos sexuais de relevo com as 15 ofendidas identificadas, fazendo-o de diversas formas, designadamente antes das cirurgias, após as cirurgias, durante os tratamentos e ainda nas consultas de clínica privada.

Quanto ao cirurgião vascular, a Inspeção-Geral da Administração de Saúde (IGAS) interveio e, no âmbito de um processo disciplinar, foi aplicada a pena de demissão de funções públicas e, quanto ao processo crime, o arguido tem como medida de coação a obrigação de permanência na habitação, assim como de proibição de contactos e de prática de atos médicos. Não consta que tenha sido expulso da Ordem. Em relação ao neurocirurgião – que continua a trabalhar no hospital e no mesmo serviço –, os processos, disciplinar e judicial, ainda estão na fase inicial, espera-se pelo que virá, mas não nos parece, atendendo à experiência, que venha a haver castigo de vulto.

Costuma-se dizer que em Portugal há duas justiças: uma para os ricos e poderosos, outra para os pobres e trabalhadores. A primeira é lenta e obsequiosa para permitir que fujam ao castigo devido, a segunda é rápida e implacável a castigar. Os médicos são geralmente julgados pela primeira. Há quem diga (o bastonário da Ordem dos Advogados) que existe ainda uma terceira: para os magistrados e familiares que, inclusivamente, podem matar, que nada lhes acontece. É bem possível que alguns médicos, os mais poderosos e influentes, sejam tratados por esta última.

Ainda quanto à Ordem dos Médicos, tem surgido a acusação de ser responsável pelo atraso da legalização dos nove médicos porto-riquenhos que se encontram desde Maio em Portugal e que, já depois de terem feito a prova de português e a prova técnica e ficarem aprovados, e estarem integrados nos próprios serviços, não têm a cédula profissional, que é passada pela Ordem, por… falta de um documento que deveria ter sido enviado pelo governo da Costa Rica. A acusação é feita pela comissão de utentes de saúde do Médio Tejo e claro que quem perde são os cidadãos utentes que não têm dinheiro para ir ao consultório privado do senhor doutor. Quanto a esta história estamos bem lembrados do tempo em que qualquer enfermeiro recém formado era admitido em qualquer hospital público no dia seguinte à saída da escola e sem necessidade de apresentação de qualquer papel e, tanto quanto se sabe, não consta que tenha havido alguma fraude, mas quando um governo se demite da sua autoridade e deixa que organizações mafiosas se constituam em estados, então é o que acontece.
Estas estórias devem fazer despertar os enfermeiros para a reclamação da sua quota de poder e de autoridade dentro da gestão dos cuidados de saúde, mas sem arrogâncias nem mafiosices, porque a importância da sua função assim o justifica.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Filhos da Guerra


No discurso deste ano do Estado da União, o Presidente Barack Obama declarou que “a guerra do Iraque está a chegar ao fim” – pelo menos para os Americanos, saimos “de cabeça erguida” porque “o nosso compromisso foi cumprido”.

Contudo, para milhões de Iraquianos, a guerra está longe do fim – na verdade, para cada vez mais famílias nas cidades que foram quase destruídas durante os anos de insurgência e contra-insurgência, a crise está só a começar. Como disse um Americano Iraquiano, “ Só porque nós (Norte-americanos) não prestamos atenção, não significa que o resto do mundo não esteja a prestar atenção”.

Segundo estudos e relatos de testemunhas sobre os últimos anos, Faluja – uma cidade iraquiana que foi praticamente eliminada pela artilharia pesada norte-americana em duas grandes ofensivas em 2004 – confronta-se com um número assombroso de defeitos de nascença. A situação faz eco de relatos semelhantes em Bassorá que começaram a aparecer depois da primeira Guerra do Golfo em 1991.

A série de horrores enumerados é confrangedora: bebés que nascem com um olho no meio da cara, sem membros ou com muitos membros, com a cabeça defeituosa, insuficiências cardíacas, e falta de órgãos genitais.

Ao visitar uma clínica em Faluja em Março 2010, John Simpson da BBC disse “ Fomos confrontados com imensos casos de crianças com graves defeitos de nascença… Vi uma fotografia que mostrava um recém-nascido com três cabeças”. Depois, no principal hospital da cidade, fundado pelos EUA, uma quantidade de pessoas chegavam com os seus filhos que tinham membros defeituosos, deformações na coluna e outros problemas. Dizem que as autoridades de Faluja avisavam as mulheres para não quererem de todo ter filhos.

Ayman Qais, director do hospital geral de Faluja, disse ao Guardian que assistia a dois bebés afectados por dia, em comparação com quatro por mês que vira em 2003. “A maior parte (das deformações) são na cabeça e na coluna vertebral, mas também há muitas deficiências nas pernas” disse ele. “Há também um aumento muito acentuado do número de casos de crianças com menos de dois anos com tumores no cérebro.”.

É largamente aceite entre os cientistas, médicos e trabalhadores de ajuda humanitária que a guerra é responsável. A presença de tanto armamento despendido, resíduos e escombros, poços de material queimado nas bases dos EUA e incêndios de poços de petróleo deixaram um legado tóxico que está a envenenar o ar, a água e o solo do Iraque.

“Eu penso que nós destruímos o Iraque” diz Adil Shamoo, bioquímico da Universidade de Maryland que se especializou em ética médica e política externa.

Shamoo, um americano iraquiano acredita que é “do senso comum” associar os problemas de saúde do Iraque aos bombardeamentos implacáveis das suas cidades e vilas e a poluição resultante dos combates e da ocupação.

O Departamento da Defesa discorda, e rejeita as reclamações de que o exército seja responsável das doenças crónicas, defeitos de nascença e altas taxas de cancro entre a população local e os seus próprios membros que estiveram expostos aos mesmos elementos. Os responsáveis da Defesa não atendiam telefonemas nem respondiam aos e-mails para comentar as questões levantadas nesta matéria.

O governo iraquiano pouco tem feito para resolver a crise de saúde pública em Faluja e noutros lugares. As autoridades não podem deixar, e aparentemente falta vontade, de acabar com a poluição que assola em torno dos centros populacionais do país, até porque muitos iraquianos continuam a reclamar o abastecimento de água potável e assistência médica básica.

Um estudo conjunto feito em 2010 pelos ministérios do ambiente, da saúde e ciência, encontrou 42 locais que estavam contaminados com altos níveis de radiação e dioxinas – resíduos, assegura aquele estudo, originados por três décadas de guerra. Os críticos acreditam que há centenas de outros locais como estes.

As áreas em volta dos centros urbanos como Faluja e Bassorá representam 25% dos locais contaminados. A poluição em Bassorá data de pelo menos 1982, quando a Operação de Ramadan, a maior batalha da guerra Irão-Iraque – na qual os EUA deram a Saddam Hussein biliões de dólares em armas, instrução e outros apoios – sacudiu o deserto. Nos 20 anos após a primeira Guerra do Golfo, Bassorá tem visto uma aumento acentuado de doenças prevalentes na infância. Segundo os investigadores da Escola de Saúde Pública da Universidade de Washington, a taxa de leucemia infantil mais do que duplicou em Bassorá entre 1993 e 2007.

Em Dezembro, um relatório publicado no Jornal Internacional de Pesquisa Ambiental e Saúde Pública declarava que desde 2003 foram observadas “malformações congénitas” em 15% do total de nascimentos em Faluja. Insuficiências cardíacas eram as mais frequentes, seguidas por deficiências no canal neural, que causam deformidades irreversíveis e muitas vezes fatais. Em comparação, a maioria dos defeitos de nascença afectam apenas aproximadamente 3% dos recém-nascidos nos EUA e uma média de 6% em todo o mundo.

“ O timing em que ocorreram os defeitos de nascença indica que eles podem estar relacionados com a guerra associada a longo período de exposição à contaminação” afirma o relatório. “Muitos contaminantes que se produzem na guerra têm a capacidade de interferir no desenvolvimento embrionário e fetal normal.”

Outro artigo recente, “Cancro, Mortalidade Infantil e Proporção de Sexos nos Nascimentos em Faluja, Iraque 2005-2009”, publicado no Jornal Internacional de Pesquisa Ambiental e Saúde Pública em Julho 2010, baseou-se numa inquérito porta a porta a 4.843 habitantes em 711 casas de Faluja. Reconhecendo que estes inquéritos têm algumas limitações, os autores destacaram três conclusões convincentes, incluindo uma redução de 18% dos nascimentos do sexo masculino após 2004 e um aumento da mortalidade infantil.

“As conclusões aqui reportadas não lançam qualquer luz sobre quem são os agentes causadores do aumento dos níveis de doenças e embora estejamos atentos ao uso do urânio empobrecido como uma potencial causa relevante, pode haver outras possibilidades”, escrevem os autores.

Na verdade, há muitos outros possíveis contaminantes – mas o urânio empobrecido tem sido o principal suspeito.

O urânio empobrecido (DU) é um metal radioactivo de alta densidade a altamente tóxico que os militares usam regularmente pelas suas capacidades de blindagem e de penetração. Os tanques Abrams e carros de combate Bradley do exército usam-no na sua armadura e nas suas munições.

Além das capacidades de penetração de longo alcance, as armas munidas de DU causam mais danos porque lançam num instante os alvos em chamas.

Depois das batalhas, as carcaças dos tanques e os restos das munições de DU que explodiram ou não, produzem radiação, enquanto minúsculas partículas do metal pesado se introduzem no pó e podem girar no ar a longas distâncias. Este pó pode ser mortal quando inalado, dizem médicos e ambientalistas.

Os EUA deixaram cerca de 320 toneladas de DU no campo de batalha depois da primeira Guerra do Golfo. As rajadas de DU deram uma clara vantagem sobre os Iraquianos, destruindo uns 4.000 tanques, muitos dos quais continuam a poluir a paisagem do deserto. “As partículas invisíveis formadas quando as granadas batiam e se incendiavam, ainda estão ‘a arder’. Elas fazem zumbir os detectores Geiger e metem-se nos tanques, contaminando o solo e espalhando-se com o vento do deserto, como será durante os 4,5 biliões de anos que levará o DU a perder apenas metade da sua radioactividade”, escreveu Scott Peterson no Christian Science Monitor.

Num outro artigo, Peterson documentou provas de DU em Bagdade, examinando “pontos quentes” à volta dos detritos de batalhas, com um detector Geiger. Ele comentou que a Força Aérea admitira que os aviões A-10 “Warthog” tinham atirado 300.000 rajadas durante a fase da invasão “choque e pavor”.

“Não disseram às crianças para não brincarem com os detritos radioactivos” escreveu Peterson. Ele viu apenas um local onde as tropas norte-americanas colocaram avisos escritos em árabe para os iraquianos se afastarem. “Ali foi encontrado um dardo de DU com 3 pés de comprimento, de uma granada de 120 mm, produzindo radiação 1.300 vezes superior aos níveis encontrados anteriormente. (O detector Geiger) fez os sons das explosões transformarem-se num gemido constante.”

Tem sido impossível obter um retrato exacto de como o DU foi usado pelas forças norte-americanas no Iraque desde 2003. Em 14 Março 2003, numa conferência de imprensa, menos de uma semana antes da invasão, o Coronel James Naughton do Comando do Equipamento do Exército dos EUA vangloriou-se que os Iraquianos “querem que (o DU) fique de fora, porque senão nós limpávamos – lhes o sebo” nas batalhas de tanques de 1991. “ De facto os seus soldados não podem ficar satisfeitos com a ideia de saírem basicamente nos mesmos tanques com alguns ligeiros melhoramentos e usarem outra vez os Abrams.”

A bazófia parou depois do “choque e pavor”. As autoridades agora insistem que a exposição ao DU não é responsável pelos graves problemas de saúde do Iraque. Confrontado com as provas dos defeitos de nascença em Faluja, o porta-voz do Pentágono Michael Kilpatrick disse o ano passado à BBC, “Até à data nenhum estudo indicou que as questões ambientais tenham resultado em problemas de saúde específicos”.

A composição exacta das munições usadas durante os combates em Faluja no final de 2004, continua sem se conhecer. Mas a escala da poluição pode ser medida pela magnitude dos bombardeamentos. Segundo Rebecca Grant, ao escrever para a Air Force Magazine em 2005, os EUA levaram a cabo implacáveis bombardeamentos na primeira batalha de Faluja, de Março a Setembro de 2004 e lançaram uma segunda ofensiva nesse Novembro.

Grant descreve um “ritmo constante de bombardeamentos” numa caça ao homem quase toda urbana, empregando helicópteros AC-130 e aeronaves de asa-fixa , mesmo depois de logo no início, os comandantes serem avisados para reduzirem a escala dos ataques devido a considerações políticas sobre os danos colaterais. Os aviões F-15 desciam a pique e metralhavam insurgentes a preparar abrigos enquanto os marines eram chamados a atacarem os insurgentes encurralados, com mísseis guiados por GPS, como os novos GBU-38 JDAM (Joint Direct Attack Munition) de 500 libras de peso, que podiam “arrancar” edifícios mesmo do meio de zonas muito povoadas.

A descrição de Grant não inclui o uso de DU nem de fósforo branco que em contacto com a carne humana a faz fritar até ao osso. Um ano após os médicos de Faluja começarem a relatar as queimaduras denunciantes, um porta-voz do Pentágono admitiu à BBC que aquele fósforo branco era de facto “usado como arma incendiária contra os combatentes inimigos” em 2004. Inicialmente, o exército afirmara que era usado apenas para iluminação do campo de batalha.

“Quando entravam, basicamente arrancavam todos os stops”, disse o jornalista de investigação Dahr Jamail, que em 2004 esteve em Faluja.

O problema com a tentativa de identificar um agente básico dos defeitos de nascença no Iraque é que o país é um caldeirão de contaminação. Além da água poluída, há em toda a parte colunas de fumos tóxicos de queima de resíduos nas bases dos EUA, assim como fogos de petróleo e gás que salpicam a paisagem. Não menos do que 469 ocorrências de incêndios de petróleo e gás, a maioria explosões de oleodutos causadas por insurgentes, foram registadas entre 2003 e 2008.

Saddam Hussein usou armas químicas contra o seu povo e alegadamente ordenou aos seus homens – fugindo da invasão de 2003 – sabotar a velha estação de tratamento de água de Qarmat Ali, ao norte de Bassorá onde os rios Tigre e Eufrates se encontram. A teoria manipulada é que eles usaram um pó anti corrosivo contendo enormes quantidades de crómio de potência seis, um químico conhecido por causar cancro.

Alguns dos soldados da Guarda Nacional Oregon que mais tarde trabalharam e viveram na estação - convencidos pela segurança dos empreiteiros Kellog, Brown and Root que Qarmat Ali estava a salvo – estão agora tão doentes que mal podem andar. “Este é o nosso Agente Laranja” disse o veterano Scott Ashby ao The Oregonian em 2009, referindo-se ao herbicida pulverizado pelas forças dos EUA sobre enormes áreas do campo Vietnamita de 1961 a 1971.

A comparação com o Agente Laranja é adequada. Como no Vietname uma geração antes, os Norte-americanos correram para as saídas emocionais no Iraque, riscando a guerra como se fosse um engano, melhor se retiravam dos livros de história. Ignorando o lamento constante dos seus virtuosos detectores Geiger, o público dos EUA arruma ordenadamente as fotografias de bebés iraquianos deformados junto das desbotadas memórias das crianças vietnamitas e veteranos americanos marcados com cicatrizes por produtos químicos no campo de batalha. A negação colectiva tornou-se no melhor amigo do império, como o desastre da política externa do Sudeste Asiático deu lugar a uma catástrofe de 30 anos no Médio Oriente.

(Original em www.uruknet.info?p=79555 e http://tribunaliraque.info/pagina/artigos/depoimentos.html?artigo=997)