sábado, 5 de junho de 2010

O que se entende por serviços mínimos na enfermagem?



O Código de Trabalho (CT) é claro no seu artigo 598º, ponto 1: “Nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis ficam as associações sindicais e os trabalhadores obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades.” No ponto 2 e no mesmo artigo, pode ler-se: “Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis os que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes sectores: … b) Serviços médicos, hospitalares e medicamentosos.” Mais: “Os serviços mínimos previstos nos n.ºs 1 e 3 do artigo anterior (artigo 599.º - Definição dos serviços mínimos) devem ser definidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo com os representantes dos trabalhadores.”

Ora, é exactamente neste ponto que os sindicatos falham, nunca os serviços mínimos na enfermagem foram definidos, sempre foram deixados, pelos sindicatos (saliente-se), ao critério de cada enfermeiro grevista. Daí não nos admirarmos que uma Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) venha “discordar da definição dos serviços mínimos proposta pelo Sindicato dos Enfermeiros Portugueses” (Documento dirigido ao Director-Geral de Emprego e das Relações de Trabalho, em 26/05/2010, assinado por J. Matos Mota, vogal do Conselho Directivo).

As razões da preocupação do sr. J. Matos Mota são fáceis de descortinar, é que, com o prolongamento da luta e da determinação demonstrada pelos enfermeiros, não se sabe bem aonde é que poderá ir este processo reivindicativo, então há que colocar trancas na porta. Se, por ventura, o governo estabelecer, uniteralmente, como permite o próprio CT, um alargamento dos já ambíguos cuidados mínimos na enfermagem, devemos agradecê-lo aos nossos sindicatos.

Devemos relembrar – e nunca será demais já que não é primeira vez que o fazemos – que foi pelo facto de não respeitarem cuidados mínimos que os antigos auxiliares de enfermagem conseguiram impor a sua reivindicação de promoção a enfermeiro diplomado. Quando se iniciou a recusa ao trabalho considerado de “urgência hospitalar” é que o governo da altura (o 6º Provisório do dito “Almirante Sem Medo”, se a memória não nos falha) recuou e foi obrigado sentar-se à mesa. E voltamos a dizer: em 1976, havia menos dinheiro do que agora e nem crédito havia, estávamos numa situação bem pior do que esta de “crise global”.

Com a actual definição de “serviço mínimo”, ao critério de cada enfermeiro (e estamos a falar dos colegas que trabalham em serviços de internamento ou de urgência, que funcionam as 24 horas) e em função das características de cada serviço, permite-se (os sindicatos permitem) que a greve seja “furada”, porque acaba-se por se fazer quase tudo, e com vantagem para o patrão-estado, já que gasta menos dinheiro e poderá dizer que até há enfermeiros a mais!

Os sindicatos ao não quererem definir “serviços mínimos” estão a dar mais um tiro no pé, do qual, mais tarde, irão arrepender-se (partindo do princípio de que as actuais direcções sindicais têm sentido crítico para a sua actividade no interesse da classe que representam), porque os serviços mínimos, quer queiram quer não, irão ser definidos, como, aliás manda a lei (CT, artº 599º, pontos 2 e 3).

Na referido documento da ACSS, salienta-se que “A dotação prevista para o turno da noite, em cada serviço, consoante os estabelecimentos e actividades a assegurar, poderá ser insuficiente para garantir a qualidade/segurança dos actos de enfermagem a praticar” (ponto 2). E vai mais longe: “Não cabe à equipa de enfermagem a designação dos enfermeiros que assegurarão os cuidados mínimos a prestar” (ponto 5). Isto quer dizer que, por vontade da ACSS, o número de enfermeiros a assegurar os cuidados mínimos deve ser estabelecido a belo prazer pelas administrações dos diversos estabelecimentos do SNS.

O estabelecimento da obrigatoriedade de “serviços mínimos, nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de “necessidades sociais impreteríveis”, tem como intenção dar à entidade empregadora o poder de punir o funcionário, que se enquadra num objectivo global de restrição do direito à greve. Os nossos sindicalistas parecem que se esquecem disto, andam muito distraídos em relação a questões importantes. E devemos relembrar – mais uma vez! – que houve serviços nos HUC e no Hospital de Santa Maria, nas greves anteriores, em que os enfermeiros chefes (e dizem-se enfermeiros!) obrigaram que o número de enfermeiros a prestar cuidados mínimos, no turno da manhã, fosse superior ao do da noite, perante o silêncio, aparentemente cúmplice, dos sindicatos.

A greve não pode ser limitada sob o pretexto de que há algum prejuízo dos direitos fundamentais dos cidadãos, pois isso seria o fim da eficácia das greves. Em face destas tentativas de intimidação e da inépcia, ao que parece, dos dirigentes e delegados sindicais quanto a esta questão, nós, classe de enfermagem, devemos intensificar a luta e restringir ainda mais o que entendemos por “cuidados mínimos”. Desistir é morrer e nós não desistimos! Esta greve irá ainda ter mais adesão e as greves e as manifestações dos enfermeiros não ficarão por aqui. Elas irão engrossar a luta mais vasta dos trabalhadores portugueses contra um governo que fez profissão de fé lançar o povo português na miséria jamais vista.

1 comentário:

Anónimo disse...

Este documento do ACSS só me faz lembrar o quanto este sindicalistas nos andam a enganar!!! Em várias reuniões que fui com o sindicato SEP nos HUC esta questão do que eram o cuidados mínimos foi sempre levantada... A resposta dos nossos digníssimos sindicalista foi quase de ridicularizar os colegas que fizeram a questão, utilizando a expressão "meus caros, não esperem que seja o sindicato a dizer aquilo que vocês são obrigados a fazer como cuidados mínimos, cada um é que sabe!!!"
Pois agora já temos quem queira nos dizer o que são os nossos cuidados mínimos, ou melhor, apenas dizem que não é o que os sindicatos definem que é, e deixam uma porta aberta para que as administrações dos hospitais deliberem!!!
Parabéns ao SEP por aquilo que vocês andam a fazer, ou melhor, a não fazer!!!