sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Os fantasmas que atormentam os sindicatos


A luta dos professores é paradigmática em muitos aspectos, razão pela qual nós, enfermeiros, deveríamos conhecê-la muito bem, especialmente a que decorreu nos dois últimos anos, e ficarmos atentos aos novos desenvolvimentos, porque o que agora se observa é uma mera trégua. E o principal aspecto desta luta foi o que ocorreu em Abril de 2008 com a assinatura do memorando entre sindicatos e a ministra da Cultura, a sinistra Maria de Lurdes Rodrigues, e as consequências imediatas desse acordo feito à revelia da classe dos professores.

Ora, o que aconteceu logo que o cachimbo da paz foi fumado por Mário Nogueira, da Fenprof, e pela ministra foi a indignação e a revolta de grande parte dos professores, por verem que o seu sacrifício de dias de greve e de manifestações tinha sido lançado à sarjeta. A par da revolta, e como manifestação desse grito de desagrado, surgiram associações e movimentos independentes de professores dispostos a fazer o que os sindicatos tinham renunciado: liderar a luta e levá-la até às últimas consequências. E foi graças a este processo reorganizativo que a luta se reiniciou, obrigando os sindicatos a recuar na sua política de conciliação e a retomar a condução do processo, com os resultados que se conhecem.

É com medo que um fenómeno semelhante ocorra entre os enfermeiros que os sindicatos de enfermagem e alguns dos seus dirigentes venham agora alertar para o perigo de “grupos radicais” que, utilizando a “contra-informação”, visam exclusivamente sabotar um processo já de si “complexo” e com o fim de “minar a confiança nos sindicatos; é o medo de que os “movimentos” dentro da enfermagem possam desencadear uma concorrência à hegemonia sindical. Ora, este medo é bem revelador de que há fantasmas a atormentar o sono de, pelo menos, alguns dos nossos dirigentes sindicais.

Mas já que a questão da “confiança nos sindicatos” é levantada pelos mesmos, devemos chamar a atenção para os resultados do estudo realizado a nível mundial, e tornados públicos há pouco, pelo ICN (International Council of Nurses) que revela que os enfermeiros portugueses são de todos aqueles que menos confiam nas suas organizações e/ou associações de classe. Ora, isso não acontece por acaso, há todo um historial, parte dele ainda bem vivo na memória dos enfermeiros, que é preciso analisar e entender. Numa classe profissional de pouco mais de 50 mil enfermeiros, com uma boa parte não sindicalizada, há 4 sindicatos. Em dois deles, facto que deverá ser inédito no mundo sindical, os presidentes são enfermeiros reformados e há muito desligados da realidade prática da profissão. Espelho de uma divisão pela qual os enfermeiros não são responsáveis.

A existência de movimentos (ou mesmos associações) de classe independentes dos partidos (e principalmente dos partidos do establishment), dos sindicatos, de religiões ou de outros interesses estranhos à classe, são um factor positivo quer para discussão dos problemas da classe, quer na apresentação de propostas de solução e caminhos que conduzam a esse objectivo. São correntes de opinião que devem poder expressar-se livremente, são um direito de cidadania, e a classe dos enfermeiros só ganhará com isso. Ninguém tem o exclusivo da verdade e quando as opiniões são descomprometidas, maiores são os ganhos para a sociedade, no caso, para a sociedade da enfermagem.

A elevada taxa de adesão dos enfermeiros à greve de Janeiro surpreendeu, de certo modo, as próprias organizações sindicais que, com argumento de que a adesão diminuía sempre e drasticamente após o 1º dia de greve, nunca ousaram marcar greve por mais de dois dias, e agora, depois de pressionadas, são ultrapassadas. A razão de tão grande entusiasmo para a luta deve-se ao facto dos enfermeiros estarem fartos da discriminação e de exploração, porque também não é por acaso que, no referido estudo do ICN, os enfermeiros portugueses são também os que mais se queixam da sua não valorização, falta de reconhecimento e de autonomia, e de remuneração inadequada.

Apesar de os sindicatos não realizarem plenários para discussão das propostas reivindicativas (o Governo geralmente conhece as propostas sindicais primeiro que os enfermeiros) e das formas de luta, os enfermeiros por fartos de esperar, por fartos de verem os seus salários degradados de ano para ano, por fartos de serem constantemente subalternizados, estão dispostos à luta e não irão perdoar se houver tergiversações pelos seus representantes sindicais. Esperamos que estes não sigam o exemplo dos seus colegas professores, que não comam a maçã envenenada do “memorando da desmobilização”.

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