quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Com derrotados da vida não se conseguem vitórias


Numa reunião de professores, dirigida por um delegado da Fenprof, com o objectivo de esclarecer os aspectos do acordo que foi assinado entre sindicatos e Governo/ministra da Cultura – e publicada pelo blog http://mobilizacaoeunidadedosprofessores.blogspot.com – ficou-se a saber várias coisas eloquentes e que nos devem, a nós enfermeiros, fazer reflectir:

Que o referido acordo “não foi o melhor acordo mas o acordo possível”; que os sindicatos reconhecem nele “aspectos perversos e negativos”, mas numa perspectiva política seria “a única solução possível”, já que na data até que o acordo irá vigorar, 2012, haverá a hipótese de ocorrer eleições legislativas que poderão conduzir a uma nova maioria absoluta, o que, por sua vez, poderá conduzir – segundo a opinião do referido delgado da Fenprof, e por extensão dos dirigentes desta organização sindical ligada à CGTP – a um “ajuste de contas”, fazendo “regredir tudo o que foi acordado”.

Este raciocínio um pouco retorcido é de quem não confia na luta dos trabalhadores, que diz e tem a obrigação de representar, e leva inevitavelmente a derrotas que já estão antecipadamente assumidas e interiorizadas. É colocar a estratégia da luta sindical ao sabor das relações de força entre os partidos, deixando antever que a agenda da luta sindical e dos objectivos que se poderão atingir dependem das perspectivas e dos jogos de poder dos partidos que influenciam ou controlam as direcções sindicais.

Nessa mesma reunião, o próprio delegado sindical da Fenprof admitiu que a carreira que saiu deste acordo é pior que a anterior, concretamente no reposicionamento dos professores, que têm vindo a recuar em relação ao topo da carreira; ou seja, os professores são obrigados “à prestação de mais anos de serviço”. Pior ainda: “a carreira está construída com base nos índices e não com base nos anos de serviço prestados, isto implica, que muitos profs estão colocados em momentos da carreira muitos anos antes do que deveriam estar”. Em relação aos professores precários, “os contratados são o elo mais fraco neste acordo: muitos, independentemente dos anos de serviço, podem estar sujeitos a – se tiverem a sorte de entrar na carreira – começar no índice 167, devido aos regimes de transição”; isto é, a começar do princípio.

É bom que os enfermeiros ponham os olhos na carreira dos professores que, embora não tendo sido exactamente o que o Governo queria impor, não contemplou as principais reivindicações desta classe. Terá sido uma meia vitória, ou meia derrota, depende da perspectiva, mas que tem um aspecto incontornável que deve ser realçado: os professores andaram para trás e, na prática, poucos atingirão o topo da carreira em tempo útil. E “tempo útil” entende-se tempo razoavelmente antes de se chegar a velho com os pés para a reforma (cova), já que o governo quer obrigar-nos a trabalhar quase até aos 70 anos, o limite para os funcionários públicos.

Face à (triste) realidade, e perante a indignação da maioria dos professores presentes, o delegado da Fenprof explicou que a “a estratégia passa por não valer a pena ficar retido no passado” e que a luta deve “continuar nos aspectos que continuam a gerar injustiça”. É a luta para salvar a face, vamos lá limar algumas arestas e fiquemos contentes porque poderia ser pior! Esta é uma filosofia de quem se considera à priori derrotado e não confia na classe que, por variadíssimas vezes, mostrou que está disposta a lutar e, mais ainda, a levar a luta até ao fim. E a prova disso é de muitos professores estarem a dessindicalizar-se em massa e a entrar em associações sindicais (eventualmente poderão resultar em outros sindicatos mais combativos) e a apoiar movimentos independentes – independentes dos sindicatos marionetas e dos partidos que querem fazer da luta dos trabalhadores moeda de troca para a concretização dos seus interesses de poder (partilha do Orçamento).

O mesmo delegado da Fenprof martelou na tecla que “vivemos momentos políticos novos: o que é negociado agora não está garantido que não seja destruído por uma nova equipa governativa a curto-médio prazo; a tendência é no sentido da punição e da perda progressiva de direitos”. O que poderá querer dizer que este Governo do PS nem é tão mau como isso: então, vamos lá aproveitar as migalhas, porque vem aí o Governo de maioria absoluta do PSD e será bem pior! É a estratégia de colocar os trabalhadores a reboque de um governo contra um outro, obnubilando o facto de que o PS perdeu a maioria absoluta foi porque o eleitorado assim o quis. Se o governo anterior do PS mudou de ministro da Saúde e “congelou” o desmantelamento do SNS foi porque o povo lutou contra ele e contra a política que o Governo aplicou no sector, obrigando o Sócrates a substituir o ministro antes que ele fosse substituído. E se vier aí um Governo que queira fazer pior que este, haverá só uma saída: lutar, vir para a rua e obrigar à sua demissão. Se Sócrates for escovado do Governo antes do fim de mandato, por exemplo em 2012, como pensam a Fenprof e o partido que a controla, foi porque o povo lutou para o pôr dali para fora.

E é na força de quem trabalha que se deve confiar, porque com o espírito manifestado pelo delegado da Fenprof, nós, enfermeiros, iremos ter uma carreira (grelha salarial) bem pior que a dos professores, embora a grande maioria da classe esteja pronta para a luta, como ficou bem patente na greve de Janeiro.

(Ver relato da reunião em http://mobilizacaoeunidadedosprofessores.blogspot.com/2010/01/relato-de-uma-reuniao-sindical.html)

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