sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Reunião sindicatos-ministra da saúde: o que sairá?


Hoje é o dia D da negociação da grelha salarial/carreira profissional, transições, rácio para Enfermeiro Principal, etc. É a primeira reunião negocial depois da greve de 3 dias e da manifestação que juntou perto de 20 mil enfermeiros, é natural que a expectativa seja grande. O que daí sairá? O princípio de alguma coisa boa para a classe dos enfermeiros ou mais um empatar de tempo?

Tem sido timbre do Governo e desta ministra ir entretendo, com o objectivo de ganhar tempo: primeiro, ainda antes das eleições, foi levar os sindicatos a assinar à pressa uma carreira, que poderá ser desastrosa para nós; depois e agora, ir adiando para, logo que aprovado o Orçamento, apresentar como facto consumado a não inclusão de dinheiro para pagar o “aumento” salarial dos enfermeiros – justificação que não deixará de ser uma falácia.

Esperamos que a pressa não dê de novo em asneira e os sindicatos não assinem de cruz um acordo que, parecendo menos mau, pode vir a revelar-se um colete-de-forças para o desenvolvimento da profissão a curto prazo, não consagrando em termos salariais a realidade uma profissão cada vez mais valorizada em termos científicos, humanos e sociais.

E uma carreira profissional “colete-de-forças” é, no nosso entender, uma carreira em que deixa para trás 80 ou 90% dos técnicos que integra, remunerados como profissionais de segunda categoria, enquanto que para os restantes 10 ou 20% a carreira até será boa, quer em termos de progressão quer em índices remuneratórios. Atenção que é uma carreira deste tipo que o Governo prepara, só nos falta saber até que ponto as direcções sindicais irão na cantiga.

Temos indícios mais que suficientes no sentido de que os sindicatos irão ceder não só no índice remuneratório de início de carreira, mas, mais grave ainda, no tempo desde que os enfermeiros não subiram de escalão, incluindo o tempo (2 anos e 4 meses) em que carreira esteve congelada. A proposta apresentada pela CNESE aponta para uma subida de 490 euros para todos os enfermeiros licenciados, ora é bom salientar que essa quantia é exactamente o que alguns enfermeiros perderam devido ao congelamento da sua subida na carreira ainda em vigor. Tudo o que seja menos desses 490 euros é prejuízo.

É na base deste aumento, igual para todos os enfermeiros, que seremos reposicionados, e não na base do tempo de carreira, ou de serviço para os enfermeiros em contrato a tempo certo. Ora, por que é que os sindicatos não querem que o reposicionamento seja feito nesta base do tempo de serviço? Pela simples razão de que ficaria mais caro para o Orçamento, na generalidade dos casos o aumento seria o dobro dos 490 euros; assim, os sindicatos esperam que a sua proposta, sendo mais baixa àquilo a que temos direito, mais facilmente seja aprovada pela ministra. Só que poderão ter uma surpresa, porque quem pede pouco, geralmente nada leva.

A outra razão, segunda a lógica sindical, é que seria injusto para alguns enfermeiros, se a reposição fosse feita em base do tempo de carreira, porque corriam o risco de ficarem a receber menos. E quem são esses enfermeiros? São os “chicos espertos” da enfermagem que, por diversas habilidades, conseguiram subir mais depressa, chegando facilmente a chefes ou ao topo da carreira (ou categoria). Colegas, geralmente apontados a dedo na instituição onde são conhecidos, de se terem aproveitado de cargos sindicais para subirem na profissão (e na vida), cargos que abandonam quando atingem os seus objectivos. Mal de um sindicalismo em que isto acontece, e na enfermagem os casos não são tão pouco como isso!

Em outros termos, corremos sério risco de vir a ter uma carreira boa para os carreiristas, que existem em todas as profissões, diga-se de passagem; situação facilitada pelo tipo de avaliação que, em breve, será aprovada, à semelhança do resto da Administração Pública, a tal que recompensa o “mérito”. Poderemos estar em véspera de ver aprovada uma carreira feita à medida dos actuais chefes e de alguns dirigentes sindicais, não sendo fortuito o facto de a CNESE ter apresentado na sua proposta de grelha salarial um suplemento de 40 e 50% sobre o índice 21 (1510 euros), respectivamente, para chefes e supervisores que sejam nomeados para coordenar as equipas. Para além do vencimento elevado que já auferem devido ao cargo, receberão mais 490 euros e ainda levam 600 ou 755 euros consoante os casos.

É compreensível que o Governo esteja mais propenso a dar um aumento um pouco mais substancial às actuais chefias do que um aumento razoável, e mais do que justo, à grande maioria dos 38 mil enfermeiros que trabalham para o Estado – uma boa e já conhecida maneira de comprar consciências. Porque devemos também lembrar que o leque salarial na carreira de enfermagem tem vindo a alargar-se, geralmente por proposta ou com o aval dos sindicatos, ao longo dos tempos; assim como os maiores aumentos são feitos entre os últimos escalões em vez de ser nos primeiros, altura em que qualquer enfermeiro mais precisa de dinheiro a fim de orientar a sua vida. O mesmo tem sucedido em toda a Administração Pública, diga-se em abono da verdade, o que é de lamentar.

Somos contra uma carreira para alguns. Reivindicamos uma carreira que permita que todos os enfermeiros possam chegar ao topo, em tempo útil; que o reposicionamento não nos afaste do terminus, como tem acontecido com os professores. Vamos lá ver se a montanha não pare um rato e os sindicatos não sirvam de parteiros ao nado-morto!

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Com derrotados da vida não se conseguem vitórias


Numa reunião de professores, dirigida por um delegado da Fenprof, com o objectivo de esclarecer os aspectos do acordo que foi assinado entre sindicatos e Governo/ministra da Cultura – e publicada pelo blog http://mobilizacaoeunidadedosprofessores.blogspot.com – ficou-se a saber várias coisas eloquentes e que nos devem, a nós enfermeiros, fazer reflectir:

Que o referido acordo “não foi o melhor acordo mas o acordo possível”; que os sindicatos reconhecem nele “aspectos perversos e negativos”, mas numa perspectiva política seria “a única solução possível”, já que na data até que o acordo irá vigorar, 2012, haverá a hipótese de ocorrer eleições legislativas que poderão conduzir a uma nova maioria absoluta, o que, por sua vez, poderá conduzir – segundo a opinião do referido delgado da Fenprof, e por extensão dos dirigentes desta organização sindical ligada à CGTP – a um “ajuste de contas”, fazendo “regredir tudo o que foi acordado”.

Este raciocínio um pouco retorcido é de quem não confia na luta dos trabalhadores, que diz e tem a obrigação de representar, e leva inevitavelmente a derrotas que já estão antecipadamente assumidas e interiorizadas. É colocar a estratégia da luta sindical ao sabor das relações de força entre os partidos, deixando antever que a agenda da luta sindical e dos objectivos que se poderão atingir dependem das perspectivas e dos jogos de poder dos partidos que influenciam ou controlam as direcções sindicais.

Nessa mesma reunião, o próprio delegado sindical da Fenprof admitiu que a carreira que saiu deste acordo é pior que a anterior, concretamente no reposicionamento dos professores, que têm vindo a recuar em relação ao topo da carreira; ou seja, os professores são obrigados “à prestação de mais anos de serviço”. Pior ainda: “a carreira está construída com base nos índices e não com base nos anos de serviço prestados, isto implica, que muitos profs estão colocados em momentos da carreira muitos anos antes do que deveriam estar”. Em relação aos professores precários, “os contratados são o elo mais fraco neste acordo: muitos, independentemente dos anos de serviço, podem estar sujeitos a – se tiverem a sorte de entrar na carreira – começar no índice 167, devido aos regimes de transição”; isto é, a começar do princípio.

É bom que os enfermeiros ponham os olhos na carreira dos professores que, embora não tendo sido exactamente o que o Governo queria impor, não contemplou as principais reivindicações desta classe. Terá sido uma meia vitória, ou meia derrota, depende da perspectiva, mas que tem um aspecto incontornável que deve ser realçado: os professores andaram para trás e, na prática, poucos atingirão o topo da carreira em tempo útil. E “tempo útil” entende-se tempo razoavelmente antes de se chegar a velho com os pés para a reforma (cova), já que o governo quer obrigar-nos a trabalhar quase até aos 70 anos, o limite para os funcionários públicos.

Face à (triste) realidade, e perante a indignação da maioria dos professores presentes, o delegado da Fenprof explicou que a “a estratégia passa por não valer a pena ficar retido no passado” e que a luta deve “continuar nos aspectos que continuam a gerar injustiça”. É a luta para salvar a face, vamos lá limar algumas arestas e fiquemos contentes porque poderia ser pior! Esta é uma filosofia de quem se considera à priori derrotado e não confia na classe que, por variadíssimas vezes, mostrou que está disposta a lutar e, mais ainda, a levar a luta até ao fim. E a prova disso é de muitos professores estarem a dessindicalizar-se em massa e a entrar em associações sindicais (eventualmente poderão resultar em outros sindicatos mais combativos) e a apoiar movimentos independentes – independentes dos sindicatos marionetas e dos partidos que querem fazer da luta dos trabalhadores moeda de troca para a concretização dos seus interesses de poder (partilha do Orçamento).

O mesmo delegado da Fenprof martelou na tecla que “vivemos momentos políticos novos: o que é negociado agora não está garantido que não seja destruído por uma nova equipa governativa a curto-médio prazo; a tendência é no sentido da punição e da perda progressiva de direitos”. O que poderá querer dizer que este Governo do PS nem é tão mau como isso: então, vamos lá aproveitar as migalhas, porque vem aí o Governo de maioria absoluta do PSD e será bem pior! É a estratégia de colocar os trabalhadores a reboque de um governo contra um outro, obnubilando o facto de que o PS perdeu a maioria absoluta foi porque o eleitorado assim o quis. Se o governo anterior do PS mudou de ministro da Saúde e “congelou” o desmantelamento do SNS foi porque o povo lutou contra ele e contra a política que o Governo aplicou no sector, obrigando o Sócrates a substituir o ministro antes que ele fosse substituído. E se vier aí um Governo que queira fazer pior que este, haverá só uma saída: lutar, vir para a rua e obrigar à sua demissão. Se Sócrates for escovado do Governo antes do fim de mandato, por exemplo em 2012, como pensam a Fenprof e o partido que a controla, foi porque o povo lutou para o pôr dali para fora.

E é na força de quem trabalha que se deve confiar, porque com o espírito manifestado pelo delegado da Fenprof, nós, enfermeiros, iremos ter uma carreira (grelha salarial) bem pior que a dos professores, embora a grande maioria da classe esteja pronta para a luta, como ficou bem patente na greve de Janeiro.

(Ver relato da reunião em http://mobilizacaoeunidadedosprofessores.blogspot.com/2010/01/relato-de-uma-reuniao-sindical.html)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Os cadáveres adiados


Artigo da jornalista São José Almeida, saído no "Público", 20/02/2010, onde esta reconhece que o modelo económico e até o projecto de sociedade assumidos pelas nossas elites para implementar no Portugal democrático, pós-25 de Abril, faliu. São cadáveres adiados os modelos de saúde como fonte de lucro, um mero negócio, assim como a reforma da Segurança Social ou a educação entregue às regras do mercado. A “iniciativa privada” foi à falência ainda quase antes de ter entrado em vigor:
(…)
Há uns dias, em conversa com uma personalidade de topo da vida política portuguesa, esta, visivelmente preocupada e indignada, questionava-se sobre qual a razão por que ninguém assume publicamente a verdade e diz, preto no branco, que "a iniciativa privada falhou"? Esta afirmação parece uma heresia em relação ao discurso político vulgarmente ouvido em Portugal, mas era importante que a classe política e as aristocracias do poder político e económico começassem a assumir que faliu o projecto de sociedade, o modelo económico que foi ensaiado e construído no pós-25 de Abril, sobretudo, desde o cavaquismo. Um projecto político subsidiário das teses neoliberais, que campearam nas democracias ocidentais – e não só nas democracias – e que se entretiveram a desconstruir muitas das estruturas do Estado Social, entregando à criatividade da "iniciativa privada" e à sacrossanta liberdade de mercado as rédeas da condução do desenvolvimento económico.

A verdade é que as empresas lucraram, os lucros ajudaram a enriquecer uns quantos aristocratas do sistema e a criar uma sociedade que continua a ser a mais desigual da Europa no que toca à redistribuição da riqueza e do rendimento. E o parco, magro e jovem Estado Social que existia em Portugal foi debilitado e ficando cada vez mais anémico. O Serviço Nacional de Saúde foi emagrecido e muitos dos seus serviços são hoje garantidos pelo sector privado, transformado o direito à saúde no negócio da saúde. Os médicos foram atirados para fora dos hospitais públicos. Os serviços foram fechados. As listas de espera foram crescendo. Os grandes grupos económicos foram autorizados a entrar no negócio da saúde, abrindo novos hospitais, que acabam por se substituir ao Estado. E a quem este, através do Orçamento, paga os serviços que outrora eram prestados pelo SNS. Mais, perante o colapso do SNS, os cidadãos são estimulados a fazerem seguros de saúde, que alimentam o negócio da saúde privada, mas que duram só até aos 65 anos, enquanto, teoricamente, o negócio é lucrativo para as seguradoras.

O direito ao lazer e a ver recompensada uma vida de trabalho, o direito a usufruir na velhice de uma redistribuição da riqueza que se ajudou a construir, foi alterado e na prática diminuído, com uma reforma do sistema de Segurança Social, que prolonga o tempo de trabalho e diminui os beneficios dos reformados em nome de critérios que privilegiam o beneficio das empresas e do seu lucro, em detrimento do bem-estar das pessoas.
(…)

in Público, 20/02/2010

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Os fantasmas que atormentam os sindicatos


A luta dos professores é paradigmática em muitos aspectos, razão pela qual nós, enfermeiros, deveríamos conhecê-la muito bem, especialmente a que decorreu nos dois últimos anos, e ficarmos atentos aos novos desenvolvimentos, porque o que agora se observa é uma mera trégua. E o principal aspecto desta luta foi o que ocorreu em Abril de 2008 com a assinatura do memorando entre sindicatos e a ministra da Cultura, a sinistra Maria de Lurdes Rodrigues, e as consequências imediatas desse acordo feito à revelia da classe dos professores.

Ora, o que aconteceu logo que o cachimbo da paz foi fumado por Mário Nogueira, da Fenprof, e pela ministra foi a indignação e a revolta de grande parte dos professores, por verem que o seu sacrifício de dias de greve e de manifestações tinha sido lançado à sarjeta. A par da revolta, e como manifestação desse grito de desagrado, surgiram associações e movimentos independentes de professores dispostos a fazer o que os sindicatos tinham renunciado: liderar a luta e levá-la até às últimas consequências. E foi graças a este processo reorganizativo que a luta se reiniciou, obrigando os sindicatos a recuar na sua política de conciliação e a retomar a condução do processo, com os resultados que se conhecem.

É com medo que um fenómeno semelhante ocorra entre os enfermeiros que os sindicatos de enfermagem e alguns dos seus dirigentes venham agora alertar para o perigo de “grupos radicais” que, utilizando a “contra-informação”, visam exclusivamente sabotar um processo já de si “complexo” e com o fim de “minar a confiança nos sindicatos; é o medo de que os “movimentos” dentro da enfermagem possam desencadear uma concorrência à hegemonia sindical. Ora, este medo é bem revelador de que há fantasmas a atormentar o sono de, pelo menos, alguns dos nossos dirigentes sindicais.

Mas já que a questão da “confiança nos sindicatos” é levantada pelos mesmos, devemos chamar a atenção para os resultados do estudo realizado a nível mundial, e tornados públicos há pouco, pelo ICN (International Council of Nurses) que revela que os enfermeiros portugueses são de todos aqueles que menos confiam nas suas organizações e/ou associações de classe. Ora, isso não acontece por acaso, há todo um historial, parte dele ainda bem vivo na memória dos enfermeiros, que é preciso analisar e entender. Numa classe profissional de pouco mais de 50 mil enfermeiros, com uma boa parte não sindicalizada, há 4 sindicatos. Em dois deles, facto que deverá ser inédito no mundo sindical, os presidentes são enfermeiros reformados e há muito desligados da realidade prática da profissão. Espelho de uma divisão pela qual os enfermeiros não são responsáveis.

A existência de movimentos (ou mesmos associações) de classe independentes dos partidos (e principalmente dos partidos do establishment), dos sindicatos, de religiões ou de outros interesses estranhos à classe, são um factor positivo quer para discussão dos problemas da classe, quer na apresentação de propostas de solução e caminhos que conduzam a esse objectivo. São correntes de opinião que devem poder expressar-se livremente, são um direito de cidadania, e a classe dos enfermeiros só ganhará com isso. Ninguém tem o exclusivo da verdade e quando as opiniões são descomprometidas, maiores são os ganhos para a sociedade, no caso, para a sociedade da enfermagem.

A elevada taxa de adesão dos enfermeiros à greve de Janeiro surpreendeu, de certo modo, as próprias organizações sindicais que, com argumento de que a adesão diminuía sempre e drasticamente após o 1º dia de greve, nunca ousaram marcar greve por mais de dois dias, e agora, depois de pressionadas, são ultrapassadas. A razão de tão grande entusiasmo para a luta deve-se ao facto dos enfermeiros estarem fartos da discriminação e de exploração, porque também não é por acaso que, no referido estudo do ICN, os enfermeiros portugueses são também os que mais se queixam da sua não valorização, falta de reconhecimento e de autonomia, e de remuneração inadequada.

Apesar de os sindicatos não realizarem plenários para discussão das propostas reivindicativas (o Governo geralmente conhece as propostas sindicais primeiro que os enfermeiros) e das formas de luta, os enfermeiros por fartos de esperar, por fartos de verem os seus salários degradados de ano para ano, por fartos de serem constantemente subalternizados, estão dispostos à luta e não irão perdoar se houver tergiversações pelos seus representantes sindicais. Esperamos que estes não sigam o exemplo dos seus colegas professores, que não comam a maçã envenenada do “memorando da desmobilização”.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Avaliação de desempenho ou fascismo social


É preciso que todos leiam ("P", 01/02/2010), com urgência, esta entrevista com Christophe Dejours, psicanalista e especialista em doenças mentais relacionadas com as condições de trabalho nas empresas. O que ele diz fornece-nos um retrato impressionante sobre aquilo que só podemos designar por fascismo social no mundo laboral dos dias de hoje. E quando pensamos que é esse o clima que se pretende instalar nas escolas, tomando como inquestionável o modelo da “performance” empresarial, só podemos sentir o estômago a rebelar-se.

Dejours fala da imposição de técnicas fascizantes de controlo e de coerção psicológicos, do reforço do poder absoluto das chefias sobre o corpo e a alma de quem trabalha, da quebra dos vínculos de solidariedade entre os trabalhadores no seio das empresas onde trabalham, e, por conseguinte, da dissolução das condições de unidade para uma resistência organizada contra o despotismo, da forma como a famosa «avaliação do desempenho» tem servido de instrumento privilegiado na introdução e manutenção destas relações de poder, da total capitulação dos sindicatos perante estas realidades cuja imposição lhes escapou por completo (quando não foram cegamente cúmplices com ela). Dejours fala, em suma, do enorme medo, da desorientação colectiva e do sentimento de impotência que parecem ser, hoje, as únicas reacções de trabalhadores que foram previamente atomizados, separados uns dos outros por um individualismo superiormente estruturado que não os deixa vislumbrar forma de luta e de alternativa.

Como romper com este círculo? Essa é a questão fundamental, a que urge responder.

Deixamos aqui alguns excertos da entrevista, que não dispensa, naturalmente, a leitura integral da mesma:

- Sobre a avaliação do desempenho:

A organização do trabalho. Para nós, clínicos, o que mudou foram principalmente três coisas: a introdução de novos métodos de avaliação do trabalho, em particular a avaliação individual do desempenho; a introdução de técnicas ligadas à chamada “qualidade total”; e o outsourcing, que tornou o trabalho mais precário.

A avaliação individual é uma técnica extremamente poderosa que modificou totalmente o mundo do trabalho, porque pôs em concorrência os serviços, as empresas, as sucursais – e também os indivíduos. E se estiver associada quer a prémios ou promoções, quer a ameaças em relação à manutenção do emprego, isso gera o medo. E como as pessoas estão agora a competir entre elas, o êxito dos colegas constitui uma ameaça, altera profundamente as relações no trabalho: “O que quero é que os outros não consigam fazer bem o seu trabalho.”

Muito rapidamente, as pessoas aprendem a sonegar informação, a fazer circular boatos e, aos poucos, todos os elos que existiam até aí – a atenção aos outros, a consideração, a ajuda mútua – acabam por ser destruídos. As pessoas já não se falam, já não olham umas para as outras. E quando uma delas é vítima de uma injustiça, quando é escolhida como alvo de um assédio, ninguém se mexe…

Falou de “qualidade total”. O que é exactamente?

É uma segunda medida que foi introduzida na sequência da avaliação individual. Acontece que, quando se faz a avaliação individual do desempenho, está-se a querer avaliar algo, o trabalho, que não é possível avaliar de forma quantitativa, objectiva, através de medições. Portanto, o que está a ser medido na avaliação não é o trabalho. No melhor dos casos, está-se a medir o resultado do trabalho. Mas isso não é a mesma coisa. Não existe uma relação de proporcionalidade entre o trabalho e o resultado do trabalho.

É como se em vez de olhar para o conteúdo dos artigos de um jornalista, apenas se contasse o número de artigos que esse jornalista escreveu. Há quem escreva artigos todos os dias, mas enfim… é para contar que houve um acidente de viação ou outra coisa qualquer. Uma única entrevista, como esta por exemplo, demora muito mais tempo a escrever e, para fazer as coisas seriamente, vai implicar que o jornalista escreva entretanto menos artigos. Hoje em dia, julga-se os cientistas pelo número de artigos que publicam. Mas isso não reflecte o trabalho do cientista, que talvez esteja a fazer um trabalho difícil e não tenha publicado durante vários anos porque não conseguiu obter resultados.

Passados uns tempos, surgem queixas a dizer que a qualidade [da produção ou do serviço] está a degradar-se. Então, para além das avaliações, os gestores começam a controlar a qualidade e declaram como objectivo a “qualidade total”. Não conhecem os ofícios, mas vão definir pontos de controlo da qualidade. É verdadeiramente alucinante.

Para além de que declarar a qualidade total é catastrófico, justamente porque a qualidade total é um ideal. É importante ter o ideal da qualidade total, ter o ideal do “zero-defeitos”, do “zero-acidentes”, mas apenas como ideal.

Em diabetologia, por exemplo, os gestores introduziram a obrigação de os médicos fazerem, para cada um dos seus doentes, ao longo de três meses, a média dos níveis de hemoglobina glicosilada A1c [ri-se], que é um indicador da concentração de açúcar no sangue. A seguir, comparam entre si os grupos de doentes de cada médico – é assim que controlam a qualidade dos cuidados médicos. [ri-se].

Só que, na realidade, quando tratamos um doente, às vezes o tratamento não funciona e temos de perceber porquê. E finalmente, o doente acaba por nos confessar que não consegue respeitar o regime alimentar que lhe prescrevemos, porque inclui legumes e não féculas e que os legumes são mais caros… Tem três filhos e não tem dinheiro para legumes. E então, vamos ter de encontrar um compromisso.

Da mesma forma, se um doente diabético é engenheiro e tem de viajar frequentemente para outros fusos horários, torna-se muito difícil controlar a sua glicemia com insulina. Mais uma vez, vai ser preciso encontrar um meio-termo. E isso é difícil.

Mesmo uma central nuclear nunca funciona como previsto. Nunca. Por isso é que precisamos de “trabalho vivo”. A qualidade total é um contra-senso porque a realidade se encarrega de fazer com que as coisas não funcionem de forma ideal. Mas o gestor não quer ouvir falar disso.

Ora, quando o ideal se transforma na condição para obter uma certificação, o que acontece é que se está a obrigar toda a gente a dissimular o que realmente se passa no trabalho. Deixa de ser possível falar do que não funciona, das dificuldades encontradas. Quando há um incidente numa central nuclear, o melhor é não dizer nada.

- Sobre o fascismo social nas empresas:

Um único caso de assédio tem um efeito extremamente potente sobre toda a comunidade de uma empresa. Uma mulher está a ser assediada e vai ser destruída, uma situação de uma total injustiça; ninguém se mexe, mas todos ficam ainda com mais medo do que antes. O medo instala-se. Com um único assédio, consegue-se dominar o colectivo de trabalho todo. Por isso, é importante, ao contrário do que se diz, que o assédio seja bem visível para todos. Há técnicas que são ensinadas, que fazem parte da formação em matéria de assédio, com psicólogos a fazer essa formação.
Só que aqui ninguém estava a apontar uma espingarda à cabeça de ninguém para o obrigar a matar o gato. Seja como for, um dos participantes, uma mulher, adoeceu. Teve uma descompensação aguda e eu tive de tratá-la – foi assim que soube do caso. Mas os outros 14 mataram os seus gatos. O estágio era para aprender a ser impiedoso, uma aprendizagem do assédio.

Uma formação para o assédio?

Exactamente. Há estágios para aprenderem essas técnicas. Posso contar, por exemplo, o caso de um estágio de formação em França em que, no início, cada um dos 15 participantes, todos eles quadros superiores, recebeu um gatinho. O estágio durou uma semana e, durante essa semana, cada participante tinha de tomar conta do seu gatinho. Como é óbvio, as pessoas afeiçoaram-se ao seu gato, cada um falava do seu gato durante as reuniões, etc.. E, no fim do estágio, o director do estágio deu a todos a ordem de… matar o seu gato.

Está a descrever um cenário totalmente nazi…

Só que aqui ninguém estava a apontar uma espingarda à cabeça de ninguém para o obrigar a matar o gato. Seja como for, um dos participantes, uma mulher, adoeceu. Teve uma descompensação aguda e eu tive de tratá-la – foi assim que soube do caso. Mas os outros 14 mataram os seus gatos. O estágio era para aprender a ser impiedoso, uma aprendizagem do assédio.

Penso que há bastantes empresas que recorrem a este tipo de formação – muitas empresas cujos quadros, responsáveis de recursos humanos, etc., são ensinados a comportar-se dessa maneira.

- Sobre os sindicatos:

Penso que os sindicatos foram em parte destruídos pela evolução da organização do trabalho. Não se opuseram à introdução dos novos métodos de avaliação. Mesmo os trabalhadores sindicalizados viram-se presos numa dinâmica em que aceitaram compromissos com a direcção. Em França, a sindicalização diminuiu imenso – as pessoas já não acreditam nos sindicatos porque conhecem as suas práticas desleais.

Nota: Retirado de APEDE e deve-se ler entrevista completa em: http://www.publico.pt/Sociedade/um-suicidio-no-trabalho-e-uma-mensagem-brutal_1420732

sábado, 13 de fevereiro de 2010

No OGE-2010 há dinheiro para os enfermeiros?


O Orçamento do Estado (OGE) para 2010 foi aprovado na generalidade na Assembleia da República, com as abstenções do PSD e do CDS/PP, seria interessante os sindicatos de Enfermagem perguntarem ao PSD, já que este partido aplaudiu os enfermeiros na sua luta, se o OGE contem verbas para a reclassificação na nova carreira de todos os enfermeiros como licenciados, como legitimamente têm direito?

Todos estamos lembrados da intervenção quase fervorosa da deputada do PSD, Rosário Águas, em prol da causa da enfermagem, numa de oposição ao Governo de Sócrates, seria uma boa razão se, na prática, alguma coisa foi feita para satisfazer as mais sentidas reivindicações dos enfermeiros. Porque de boas intenções e de bonitas palavras estamos nós, os enfermeiros, fartos!

Esta é mais outra boa questão para os nossos sindicatos nos esclarecerem, já que muitas outras estão ainda por explicar. O Orçamento Geral do Estado (OGE-2010) contempla verbas suficientes para sermos reposicionados e a passarmos a vencer como licenciados?

Ficamos à espera de uma resposta clara e inequívoca, e em tempo útil!

Sabemos que as verbas não são gastas exactamente como estão orçamentadas em OGE, e sabemos também que haverá sempre um orçamento “rectificativo” mais tarde, para dar cobertura às despesas indevidas que o Governo faz em seu proveito e da classe que representa e defende, a que vive da exploração do povo português. Mas, para essa gente, há sempre dinheiro e suporte legal. No entanto, para os enfermeiros, como é? Ainda estamos bem lembrados, os sindicatos parece que não, os seus dirigentes devem comer muito queijo!, que no OGE de 2008 havia dinheiro para descongelamento dos escalões e ficamos a ver navios!

Nós, enfermeiros, não precisamos de mais sindicatos, os que existem chegam e sobram, precisamos, isso sim, é de gente capaz, que esteja mobilizada pelos interesses da classe e não pelos seus pessoais, que ponha o interesse colectivo à frente do interesse individual ou de grupo. Colegas descomprometidos, que tenham a preocupação de colocar em primeiro lugar, em todas as suas propostas, as reivindicações da maioria dos enfermeiros, a começar pelos contratados/precários, os desempregados, e a grande maioria dos enfermeiros que está na metade inferior da carreira. O que não acontece neste momento, daí, em recente estudo, a maioria dos enfermeiros inquiridos se ter manifestado que não tem confiança nos seus sindicatos.

Ora, o que se vê é os sindicatos reféns de colegas reformados, no topo da carreira, ou de chefes ou de candidatos a tal, daí a aberrante reivindicação de mais 50 e 40% de salário para chefes e supervisores. E pior do que isso, de colegas para quem, primeiro, estão as directivas do partido e, em segundo e último lugar, os interesses da classe; assim se compreender o regozijo de alguns dirigentes sindicais quando souberam que o PS tinha ganho as eleições e a actual ministra, mulher de inteira confiança do execrável Sócrates, tinha sido reconduzida no cargo, como se ela fosse nossa amiga; quem tem amigos destes, não precisa de inimigos!

Precisamos, sim, é de pouco e bons sindicatos, reivindicativos e lutadores, capazes de levar qualquer luta até às últimas consequências, contra todos os ventos e marés!

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Parcerias público-privadas ou o assalto ao Orçamento do Estado


Portugal tornou-se rapidamente no país que mais investe através desta modalidade das parcerias público-privadas (PPP), em percentagem do PIB. No Orçamento do Estado para 2010, constam mais de 700 milhões em encargos com estas parcerias e até 2050, só com as parcerias já contratadas até hoje, o Estado vai ter de pagar 48 mil milhões de euros, dados da Direcção Geral do Tesouro.

A respeito das parcerias público-privadas (PPP), o juiz jubilado do Tribunal de Contas, Carlos Moreno, em duas entrevistas ao “Jornal de Negócios” e “Sol” (22/01/2010) e no seu relatório de final de mandato afirma: “Se nas empreitadas tradicionais, o Estado assumia os encargos dos trabalhos a mais, agora, no âmbito das PPP, o Estado acaba por assumir o risco, mas por via dos processos de reequilíbrio financeiro, que afinal configuram mais do que encargos com trabalhos adicionais e outras alterações não previstas no projecto inicial.”

E no seu Relatório de fim de Mandato, Carlos Moreno escreve: “Os bancos passaram a determinar o nível de exposição financeira e de risco para o Estado, exigem cláusulas contratuais de compensação por alteração de circunstâncias, aumentam as suas garantias, os spreads e os honorários – tudo isto, evidentemente, pago pelo contribuente”. Segundo Carlos Moreno, chegou-se ao ponto de o Estado pagar “avultados encargos de consultores contratados pelos privados para negociar os contratos das PPP” […] “O sector público não retira qualquer benefício da curva de aprendizagem”.

Ou seja, o Estado negoceia mal, renegoceia pior, não aprende a negociar ao longo do tempo e ainda paga aos privados para negociarem melhor contra o Estado. As parcerias obedecem ao princípio de que o risco fica para o Estado e os privados ficam com receita garantida. De acordo com o Tribunal de Contas, no sector rodoviário, aquele em que há mais parcerias, os encargos do Estado chegam quase ao dobro do investimento previsto e a Ponte Vasco da Gama será paga entre três a quatro vezes, no total da concessão.

Acresce que, a cavalo das parcerias e do discurso do que agora se chama Investimento de Iniciativa Pública, este governo e o que o antecedeu, deu mais alguns passos na privatização de serviços. A saúde é o caso mais evidente, com consequências particularmente desastrosas. Carlos Moreno refere que as sucessivas derrapagens nas PPP na Saúde “conduziram a uma descredibilização, mesmo a nível internacional, do programa nacional nessa área”.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Um mês depois! E que acordo?



A próxima reunião entre ministra e sindicatos foi marcada para o dia 26 de Fevereiro, ou seja, quase um mês após a greve de 3 dias que culminou numa imponente manifestação. E, claro, foi a ministra que marcou a data, os sindicatos continuam ir a reboque, até parece que foram eles que ficaram mais surpreendidos (ou assustados?) com a forte adesão da classe.

Não deve haver pressa quanto a aprovação da nova grelha salarial, já que a aprovação pelos sindicatos da carreira antes das eleições foi um acto precipitado, para não dizer coisa pior. Só que também não podemos estar à espera indefinidamente, devemos ter agora a iniciativa e impor o nosso calendário negocial, o que não parece estar acontecer. O objectivo do Governo e da ministra é ir ganhando tempo e deixar que o Orçamento seja aprovado e fazer com que nós, enfermeiros, desmobilizemos. Não devemos permitir tal coisa!

Não se deve ceder nos 1510,21€ como início da carreira, pode haver outros pontos mais importantes, mas este é, de certo modo, simbólico. Ceder aqui, é ceder no resto. E o que é o resto? É:

- Transição para a nova carreira de acordo com o tempo de serviço – caso este princípio seja respeitado, a exigência dos 490 euros passa a ser ridícula, e até humilhante, para usar a terminologia dos sindicatos, porque o aumento seria, em média, cerca do dobro;

- Não existência de vagas para aceder à categoria de enfermeiros principal – seria forma de romper, pelo menos parcialmente, o colete-de-forças que representa esta categoria e que o Governo pretende que não tenha um rácio superior a 10%; ou seja, pior que a carreira que os professores repudiaram, por impor duas categorias praticamente estanques;

- Qualquer enfermeiro possa atingir o topo da carreira em tempo útil – a carreira que foi aprovada impede esse objectivo a mais de 90% dos enfermeiros;

- Valorização económica dos especialistas e de todos os enfermeiros que tenham mestrados ou doutoramentos – seria um incentivo a valorização académica da classe, sendo a formação dos especialistas organizada no sentido de, a médio prazo, todos os enfermeiros serem especialistas;

- Contagem de todo o tempo de serviço, incluindo aquele em que não houve subida de escalão na carreira ainda em vigor e do tempo em que esteve congelada – há enfermeiros que há oito anos não sobem de escalão, e por que não subida de escalão ainda antes da transição?

Estes pontos, são indubitavelmente mais importantes do que a questão de se saber se o início na nova carreira é nos 1510,21€ (nível 21) ou nos 1407, 45 (nível 19), mas este ponto vale pelo que representa quanto a coragem dos nossos representantes sindicais, porque se cedem neste, então nos outros será bem pior, pela razão de se colidir com os princípios do Governo e de envolverem verbas muito mais elevadas.

O discurso dos dirigentes sindicais ainda durante a greve deve deixar-nos preocupados. Declarar perante a comunicação social que estamos a “pedir pouco” é assumir uma posição defensiva; ora nós, enfermeiros, só estamos a pedir o que temos direito – nem mais, nem menos. O coordenador do SEP afirmou que está disposto a negociar a partir do “patamar máximo” dos 1500 euros; ora este patamar deve ser o mínimo e não o máximo, por que podemos perguntar: então, qual é o patamar mínimo? Estas posições conciliadoras há muito que foram observadas pela ministra/Governo, razão pela qual esta apresentou, em início de Janeiro, uma proposta que ficava aquém da anterior; isto é o que qualquer negociador faz quando vê que a outra parte é fraca e está com pressa.

Haja coragem e firmeza suficientes para levar a luta até ao fim. A classe mostrou, sem margem para dúvidas, que está disposta a lutar, ou como uma colega afirmou, quando entrevistada por um órgão de informação (jornal DN): “Lutar até às últimas consequências!”. Não sabemos se os dirigentes sindicais terão, a nível individual, coletes para a missão, e se, a nível do partido a que pertencem, autorização para o fazer. Os factos serão os aferidores da verdade.

A injustiça social faz muito mal à saúde



Artigo de João Rodrigues e que não deixa de ser pertinente, atendendo ao momento que nós, enfermeiros, estamos a atravessar:

O título deste artigo sintetiza a principal conclusão de um notável relatório lançado recentemente pela Organização Mundial da Saúde. Coordenado por Michael Marmot, uma referência incontornável na área dos "determinantes sociais da saúde",...

Coordenado por Michael Marmot, uma referência incontornável na área dos "determinantes sociais da saúde", e tendo a colaboração, entre outros especialistas, do Prémio Nobel da Economia Amartya Sen, este relatório oferece-nos um retrato realista da extensão das desigualdades nacionais e internacionais na área da saúde, dos mecanismos sócio-económicos que as geram e dos principais meios para as superar. Fá-lo através de uma impressionante recolha de evidência estatística, de estudos de caso e de análise histórica e institucional. O assunto não admite relativismos de nenhuma espécie e sobretudo não admite o subjectivismo egoísta que justifica todas as insanas utopias de mercado. Trata-se aqui de uma questão de vida ou de morte. E as utopias de mercado matam. Literalmente.

Os EUA são o país mais rico do mundo e o que mais gasta, em percentagem do PIB, com o seu ineficiente sistema privado de saúde. No entanto, a esperança média de vida é das mais baixas entre os países desenvolvidos. Um norte-americano branco e rico pode esperar viver oitenta anos enquanto que um norte-americano negro e pobre apenas pode esperar viver sessenta e três, menos um ano do que um habitante das Filipinas. Do outro lado do Atlântico, a desigual Grã-Bretanha apresenta padrões idênticos. Na cidade de Glasgow, por exemplo, alguns quilómetros de distância determinam que dois cidadãos de uma mesma comunidade política possam esperar viver cinquenta e quatro anos ou oitenta e dois anos.

A maior vulnerabilidade à doença é uma das injúrias mais marcantes das cavadas divisões de classe. A precariedade laboral, sintoma de vulnerabilidade numa esfera essencial da vida, também tem um impacto negativo na saúde dos indivíduos. A identificação de padrões relevantes e dos seus mecanismos causais multiplica-se ao longo do relatório. Os países com maiores desigualdades económicas tendem a exibir, para níveis mais ou menos idênticos de desenvolvimento económico, piores indicadores nesta área. A maior robustez do Estado Social, a natureza pública da provisão de bens essenciais, o alcance das políticas públicas de redistribuição ou a maior e melhor regulação dos mercados, em especial do "mercado de trabalho", são decisivos para que todos os cidadãos possam ter vidas longas e saudáveis. A natureza da provisão dos serviços de saúde é obviamente parte essencial destes "determinantes sociais". Os sistemas públicos e universais, financiados por impostos progressivos, são, segundo o relatório, a melhor solução.

Neste contexto, conclui-se sensatamente que "a comercialização de bens sociais vitais, como a educação e a saúde, produz iniquidade na área da saúde". É por isso que "a provisão destes bens sociais vitais deve ser da responsabilidade do sector público, em vez de ser deixada aos mercados". A evidência estatística não mente. Quanto maior é o peso das despesas privadas no total das despesas em saúde, menor é a esperança de vida. A evidência histórica também não mente. O relatório tem o grande mérito de nos lembrar indirectamente, pelos bons exemplos que menciona, dos países nórdicos ao Estado indiano de Kerala, o que já se sabia por outros estudos: movimentos sindicais e socialistas com poder ajudam muito.

A saúde das pessoas é então o resultado das suas circunstâncias sociais. É por isso preciso, como dizia Karl Marx, ter a capacidade de organizar humanamente essas circunstâncias. Quando tal não acontece, quando os recursos, as oportunidades e o poder são distribuídos de forma excessivamente desigual, então, como mostra o relatório, a possibilidade de grupos sociais bem identificados, por questões de classe, de género ou de etnia, terem acesso às condições que permitem o florescimento humano é posta em causa. A teoria social e as nossas melhores intuições morais dizem-nos assim que estamos perante uma situação de injustiça social evitável. O relatório mobiliza ambas para nos informar sobre a forma como as múltiplas faces da injustiça prejudicam a nossa saúde. Como sempre acontece, superá-las é a tarefa inadiável de uma comunidade política digna desse nome.

Nota: O relatório está disponível em www.who.int/social_determinants. Para uma boa síntese da literatura académica sobre o assunto, o leitor interessado pode consultar com proveito Richard Marmot e Richard G. Wilkinson (orgs.), Social Determinants of Health, Oxford, Oxford University Press, 2006 e Richard G. Wilkinson, The Impact of Inequality – How to make sick societies healthier, Londres, Routledge, 2005.

http://www.jornaldenegocios.pt/index.php?template=SHOWNEWS_OPINION&id=330630

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Manifestação de trabalhadores do Estado junta milhares


Muitos milhares de trabalhadores da função pública manifestaram na capital o seu profundo descontentamento pelas medidas impostas, e a implementar no quadro do OGE-2010, pelo Governo Sócrates/PS. Os trabalhadores não aceitam o congelamento dos salários, a diminuição das pensões de reforma e um sistema de avaliação que apenas visa a promoção da subserviência e do afilhado do chefe.

Uma manifestação que terá unido os diversos sectores profissionais da Administração Pública, mas, pelos relatos, terá mobilizado essencialmente os trabalhadores das carreiras gerais, nomeadamente os pertencentes à Administração Local. Parece ser uma pecha dos sindicatos da Função Pública promoverem manifestações e greves que não unem, ou pelo menos de forma entusiástica, todos os sectores de trabalhadores. Aliás, para o dia 5 de Fevereiro foi feito pré-aviso de greve, mas os sindicatos não a publicitaram, terão feito greve apenas e só os trabalhadores que foram à manif, razão pela qual não referem sequer a taxa de adesão à mesma.

O secretário de Estado da Administração Interna não perdeu tempo a vir dizer que o Governo não irá ceder e lamenta que os sindicatos (Frente Comum) continuem a ter um discurso “passadista e retrógrado”. Ou seja, o Governo sabe que esta manifestação é inócua e que mais um ou dois dias greve que a Frente Comum irá convocar não passam de fogo-fátuo. Foi assim no passado, especialmente na vigência do anterior governo, e no futuro não será diferente. O povo costuma dizer que “cão que ladra não morde” e o mal dos nossos sindicatos é falarem muito e actuarem (a doer) pouco.

Perante a situação de intransigência de Sócrates, haverá apenas uma alternativa: GREVE GERAL pelo tempo que for necessário e manifestações tantas quanto necessárias, nem que seja diárias, até à cedência do Governo ou então… o seu derrube – Sócrates tem-se mostrado um pequeno ditador, mesmo agora em minoria, tentando destruir todos os que se lhe opõem, veja-se o caso mais recente “Mário Crespo! A não ser assim, após a aprovação do Orçamento, tudo ficará como o Governo entendeu ficar, aliás, a exemplo do que aconteceu no passado.

Basta de serem os mesmos (os trabalhadores) a pagar a crise dos outros (banqueiros, empresários e afins). Não foram os trabalhadores que contribuíram para o aumento do défice das contas públicas que em dois anos passou de 2,6% para 9,3% do PIB!
Link

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Esmifrar ainda mais o trabalhador da Função Pública


O Governo, para além do congelamento dos salários dos trabalhadores da Função Pública, vai alterar o Estatuto de Aposentação, o que representará reformas mais baixas; ao mesmo tempo que os descontos para a ADSE vão aumentar. Para “comemorar” os 100 dias de existência, nada mal para um Governo que até é minoritário. Mas se Sócrates pode fazer isto, é porque alguém o deixa.

A alteração que o governo pretende fazer é na fórmula de cálculo da pensão correspondente ao tempo de serviço realizado até 31.12.2005, que deixará de ser feito com base no salário recebido pelo trabalhador na data em que se aposenta, como actualmente sucede, e passará a ser determinado com base no salário recebido pelo trabalhador em 2005 que, embora revalorizado, irá determinar uma pensão inferior à que se obtém actualmente. Assim, segundo os cálculos do economista Eugénio Rosa, o Estado terá uma "poupança" de 28 milhões de euros este ano, o que significa uma redução média de 1.444 euros na pensão anual dos trabalhadores que se aposentem em 2010.

Outra modificação que o governo pretende introduzir no Estatuto da Aposentação é alterar a bonificação actual que é concedida aos trabalhadores com carreiras longas, que é diminuída. E a terceira alteração é a subida de penalização de 4,5% para 6% por cada ano de idade a menos que tiver em relação à idade legal de aposentação em vigor no ano em que se aposente.

Em relação aos descontos para a ADSE, o que está em causa é a norma introduzida na proposta de lei do Orçamento do Estado para 2010 que determina que os descontos para a ADSE ou para sistemas de assistência na doença "continuam" a incidir sobre os suplementos remuneratórios com carácter de permanência, "nos mesmos termos da quota para a Caixa Geral de Aposentações" (CGA).

Em termos práticos, a norma vai traduzir-se num aumento dos descontos de parte dos funcionários, já que a legislação que agora é alterada - a Lei 53-D/2006 - limitava a incidência à "remuneração-base". No mesmo sentido apontava o Orçamento do Estado para 2009, que veio reabrir pontualmente as inscrições na ADSE.

Tudo somado: Congelamento de Salários + Alteração do Estatuto de Aposentação + Aumento de Descontos para ADSE = Menos Dinheiro no Bolso do Trabalhador e das suas Famílias

Como a ministra malbarata o nosso dinheiro


A ministra da Saúde, Ana Jorge, na anterior legislatura, foi confrontada no Parlamento com o esbanjamento de 90 mil euros em duas cerimónias pomposas, que dariam para custear 5 mil diárias de internamento numa unidade de Cuidados Continuados de longa duração, numa operação de marketing político.

Na campanha contra a gripe A, que se revelou uma falsa pandemia, a ministra gastou cerca 200 milhões de euros, dos quais 45 milhões na aquisição de 6 milhões de doses de vacinas, que agora se comprovou serem inúteis, quer pela não adesão da população, quer por desnecessárias, estando o Governo em negociação com o laboratório para o cancelamento da encomenda. Só que, perante a recusa deste, as vacinas serão trocadas por medicamentos de que não precisamos. Deve-se registar o facto de, até agora, se terem vacinado pouco menos de 500 mil pessoas.

Um desperdício de milhões, revelando como a ministra da Saúde gasta o dinheiro. No entanto, não há dinheiro para a reposição dos enfermeiros na nova carreira como quaisquer outros licenciados!

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Os rumores sobre um possível “acordo” sindicatos/Governo


Este é o texto que começou a circular na net, mal arrefecera o clamor da grande manifestação de 29 de Janeiro. Não sabemos quem teve a ideia, mas a verdade é que não há fumo sem fogo, e é natural que alguém, atendendo aos contornos das ditas negociações, tenha desconfiado do repentino silêncio, de não se falar de datas concretas para novas reuniões; aliás, os sindicatos nunca souberam impor um calendário próprio. E, depois desta vitória, que foi a forte adesão à greve e à manifestação – que surpreendeu os próprios sindicatos – temos que estar alertas e não permitir recuos:


Caríssimos colegas

Há rumores que os sindicatos estão balançados em aceitar a proposta salarial da ministra (depois da greve) de 1200 € para o início de carreira. Acho que isso é um perfeito disparate, já que podemos e merecemos ir mais além.

Acho a proposta apresentada pelos sindicatos correcta, com o início na posição 21 (1510,21€). Não se esqueçam que somos carreira especial! E o grau de complexidade?! Mas já que a ministra diz que negociar é ceder de parte a parte, na minha opinião deveríamos ficar no mínimo com o início, na posição 19 (1407 45). Mais baixo que isto é um absurdo! Não foi por isso que fizemos greve de 3 dias e que nos mobilizamos e manifestamos como viram. Não é para fazer um qualquer acordo. Já basta o dinheiro que perdemos de 2000 (licenciados de base) até agora. Há enfermeiros que perderam cerca de 10.000€ nestes anos.

Como dizia um colega na manifestação, “já pagamos, e bem, a nossa factura para a crise” por isso não nos exijam mais…

Já basta a carreira vergonhosa que nos fizeram assinar em contra-relógio.

Nós agora temos o tempo todo, estamos mobilizados, temos:

A FORÇA, A UNIÃO E A DETERMINAÇÃO necessárias para um bom acordo. TAL COMO PEDIRAM OS SINDICATOS!...

JÁ BASTA DE PERDER!...

Nota: É claro que, antes de tudo, tem que haver a tal revalorização salarial, com atribuição imediata dos tais 490€ a todos os licenciados.

Petição entregue também ao Governo


Ainda decorria a greve que o grupo, que promoveu a petição para descongelamento dos índices da carreira ainda em vigor, enviou a petição ao Governo; petição esta que se dirigia ao lapso dos sindicatos de exigirem o descongelamento dos índices e a contagem de todo o tempo decorrido para reposição na nova carreira.

Devemos recordar que a carreira esteve congelada durante quase dois anos e meio, que houve colegas que não subiram de escalão por poucos dias, e, a partir de 1 de Janeiro de 2008, havendo já verbas no OE para o efeito, o Governo persistiu em não fazer as subidas de nível, ao contrário do que fez com os professores, os oficiais de justiça, os guardas prisionais, etc.

É muito tempo para ser desperdiçado e é muito dinheiro para ser lançado fora!

Os sindicatos ao apresentarem a proposta de subida imediata de 490 euros esqueceram-se de que esta quantia é quase o dinheiro que alguns enfermeiros perderam ao não terem subido de nível.

Quando receberam a petição, os sindicatos a quem era endereçada – SEP e SIPE – comprometeram-se a ter reuniões com os signatários. Mas, só após muita insistência que o SEP acedeu, para vir com o temor de que era inoportuna esta petição; o SIPE disse que sim, mas nunca reuniu. Contudo, tanto um como outro incluíram a reivindicação no rol das reivindicações, mas já tarde. Fica-se com a impressão que quiseram usar este tempo e este dinheiro como moeda de troca na negociação da nova carreira. O resultado final, após tudo aprovado no que diz respeito à carreira, no-lo dirá.

Dois apontamentos finais: 1 - esta petição, sem ter sido feita por nenhuma entidade institucional, mas apenas por meia dúzia de obscuros enfermeiros, obteve, em pouco mais de um mês, perto de 4 mil assinaturas; 2- nos hospitais em que houve mais aderência, como nos HUC, as administrações mandaram os serviços informáticos barrar a ligação ao site onde se encontra.

Petição em http://www.peticao.com.pt/enfermagem.

Saúde: os privados facturam cerca de 700 milhões de euros em 2009


Os principais grupos privados na área da saúde facturaram 694 milhões de euros em 2009, um ano considerado de crise, mais 42,5% em relação ao ano anterior, o que corresponde a um aumento da procura na medida em que o Governo vai fechando serviços do SNS e vai entregando a estes grupos económicos a gestão de hospitais públicos, através das já célebres “parecerias público-privada”. Parcerias que só têm trazido prejuízo para o Estado e mais despesa para o bolso do cidadão, ao mesmo tempo que os serviços prestados por estes hospitais vão-se restringido ao que dá lucro a 100%, por exemplo, o Hospital de Braga, a ser explorado pelo grupo Mello, acabou com as consultas de infecciologia, nefrologia, reumatologia e imunoalergologia.

É assim que o Governo gasta o dinheiro na Saúde, parte substancial destes 694 milhões de euros saíram directamente dos cofres do Estado, seja através das ditas parcerias, convenções, etc., quer através da segurança social; o restante desses lucros é dinheiro pago pelos cidadãos que, tendo os seus impostos em dia, deveriam beneficiar de cuidados de saúde gratuitos e de qualidade. Porque, e apesar da propaganda e da degradação a que o SNS está a ser sujeito, o privado ainda não é melhor que o público, basta ver as notícias sobre os casos que correm mal no sector privado e que, posteriormente, são resolvidos no SNS.

Os quatro principais grupos económicos que exploram a carteira dos portugueses e o erário público, com a justificação de que oferecem melhores cuidados de saúde, são o grupo Mello, que em "2009 terá fechado com uma facturação de 266 milhões de euros, ou seja, mais 20% a 30%", valor que engloba o Hospital de Braga; o Espírito Santo Saúde (ESS) que, por seu lado, facturou 219 milhões de euros, o que significa que os resultados cresceram 19% em relação a 2008; os Hospitais Privados de Portugal (HPP), que terá facturado 150 milhões de euros, que explora o Hospital de Cascais; o grupo Trofa, liderado por José Vila Nova, cujo ganho anual foi de 47,5%, passando a ter 59 milhões de euros de facturação este ano, com a perspectiva de novo aumento para 2010.

Por outro lado, os tão louvados hospitais públicos com gestão empresarial (EPE) registaram um agravamento dos prejuízos em 22,4 % nos primeiros nove meses do ano, para 218 milhões de euros, segundo os dados da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Estes gastos centram-se no consumo exagerado de medicamentos, exames complementares de diagnóstico e análises, muitos dos quais feitos em centros privados, revelando uma realidade que vai persistindo, ou seja, a parasitação do SNS pelos privados, e não com o aumento de pessoal de enfermagem, por exemplo. No entanto o Governo diz que não há dinheiro para pagar aos enfermeiros como licenciados. Pois é, o bolo não dá para todos, apesar das verbas para a Saúde terem aumentado no OGE de 2010!